No mês de junho recebi o convite de uma amiga, por email, para participar de um intercâmbio de receitas culinárias. Como decididamente não sou conhecido pelos meus dotes culinários, fica claro que só recebi o convite porque ela precisava enviar para 20 pessoas para não quebrar a corrente. O curioso é que, apesar da minha mediocridade panelística, por algum motivo que desconheço sou constantemente solicitado por amigos cozinheiros, e até pela minha mãe e minha sogra, a experimentar o tempero dos pratos principais que estejam fazendo. Infelizmente, minha fama nas redondezas não passa disso, um mero provador de tempero.
Apesar disso, se precisar cozinhar não morro de fome. Meu conhecimento de cozinha, porém, resume-se a pratos simples, rústicos, que não exigem receitas escritas e que aprendi fazendo ou perguntando como fazer, e apenas em ocasiões específicas, invariavelmente envolvendo os amigos. Além dos pratos básicos como misto quente, sopa de caneca e ovo frito, consigo preparar sem muita dificuldade uma macarronada, arroz com galinha, arroz com lingüiça, paçoca de pinhão, carreteiro, bife no disco com legumes e verduras, peixe frito, churrasco... ou seja, todos pratos bem aceitos pela maioria das pessoas, e nada muito elaborado.
Mas aquele convite mexeu com os meus brios. A busca por uma receita especial para a minha amiga me fez pensar na relação que tenho com as panelas, e como este relacionamento interfere na rotina das formigas cortadeiras que fazem ninho nas trincas da calçada, daí percebi que não posso passar o resto da vida como provador oficial do tempero do prato dos outros – atividade de alto risco, por sinal. Resolvi, então, investir na minha imagem gourmética, e saí à procura da receita ideal. Optei por um prato típico das regiões de altitude aqui do sul, bem tradicional, preparado desde a era sapozóica, mas os poucos relatos que encontrei não estavam à altura da importância dos meus objetivos ego-culinários. Por isso, passei os últimos 47 dias redigindo com muito esmero esta receita, que acredito será do agrado dela, pois, como se pode perceber, é um prato muito simples, de poucos ingredientes e de facílimo preparo.
Crestamento de Estruturas Embrionárias Araucariáceas
Ingredientes
- Área desartificiosa não dimensionada, com ou sem extrato arbóreo significante;
- Espécime feminino fanerógamo gimnospérmico araucariáceo, com ocorrência de infrutescências em favorável estágio de maturação;
- Rejeitos de extremidades arbóreas com órgãos laminares pungentes em adiantado estado de desidratação;
- Estruturas embrionárias araucariáceas em sobejidão;
- Espessos protetores digitais, optativos;
- Receptáculo de faces retangulares provido de hastes com extremidades inflamantes;
Preparo
- Valendo-se da fímbria dos membros superiores com ou sem o auxílio de protetores digitais, colija os rejeitos de extremidades arbóreas com órgãos laminares pungentes em adiantado estado de desidratação, dispersamente prostrados sobre as ciperáceas por ação direta de forças eólicas, e lance-os de mão em minguada área erigindo murundu de eminência não fixada, embora bastante para o inteiro crestamento do universo das estruturas embrionárias que se intenta amealhar. Por mero e exacerbado zelo e com singular escopo impediente de um abrasamento tal que prive a sua exeqüibilidade de consumo, reporte-se que o conjunto de conhecimentos específicos focados no ato objeto deste relato, a se constituir de vantajosa aquisição acumulada pelo exercício histórico desta prática, orienta que seu cume situe-se apropinquadamente a três quartos de milhar de milímetros do nível das ciperáceas.
- Superpostamente ao murundu, precipite aspersadamente as estruturas embrionárias araucariáceas previamente esbagoadas das infrutescências favoravelmente maturadas ou coligidas por entre as ciperáceas circundantes;
- Excite a reação ígnea dos rejeitos monticulares consequentemente à ignescência de uma ou mais hastes com extremidades inflamantes, em disposição geodesicamente propícia aos movimentos eólicos de rajadas, similarmente aos de repiquetes, precavendo-se de inapropriada assimilação bronco alveolar das emanações carbônico-gasosas oriundas da massa incendida;
- Ato contínuo ao completório da atividade ignescente, com o prudente auxílio de ramúsculo de dimensão longitudinal apropriada tal que permita esgaravatar acauteladamente a borralha plúmbea queimosa e as substâncias combustíveis sólidas incandescentes resultantes da combustão incompleta dos materiais orgânicos envolvidos, colija as estruturas embrionárias araucariáceas crestadas e aboque-as, precedendo diligente subtração do cascabulho e breve entibiamento.
Sugestão
- Aprestamento e consumpção em ambiência amical recrudescem o saibo intrínseco.
Saborida apetência!