É comum falarmos uma coisa e as pessoas entenderem outra. Constantemente temos que repetir, chamar a atenção, explicar uma, duas, várias vezes. Às vezes, é como se fôssemos alienígenas, por mais que nos expliquemos menos nos entendem. Bem, na verdade não sei se é assim com todo mundo, mas comigo é. Tenho tendência a ser prolixo nas minhas argumentações ou narrativas. Sinto necessidade de explicar como as coisas chegaram até aquele ponto ao qual me refiro, considero importante situar o objeto da discussão. Essa característica já virou folclore entre meus amigos de convívio mais próximo. Já quando escrevo consigo me policiar, mesmo porque posso pensar o texto como um todo, reler, reescrever, reordenar o pensamento, enfim, trabalhar com calma aquilo que quero exprimir. Este deve ser um dos motivos pelos quais escrevo tão pouco, ou bem menos do que gostaria.
Há poucas semanas, depois de acalorada discussão sobre um assunto muito caro a mim e a um grupo de bons amigos, com quase quatro décadas de convivência, senti a necessidade de registrar no papel aquilo que eu pensava sobre o assunto em questão. Aquela não era a primeira vez que discutíamos, e a cada vez, menos nos entendíamos. Como de certa forma eu fui o pivô da discussão, e de tanto discutirmos meus argumentos iniciais já estavam com sentido completamente oposto à realidade, peguei do papel, ou melhor, do teclado, registrei para a posteridade e enviei por email o meu sentimento sobre os problemas que motivaram nossos desentendimentos, literalmente do tipo discutindo a relação!
Bem, aqui entra o motivo do post. Enquanto escrevia aquela carta aberta, numa verdadeira batalha com as palavras para que não restasse uma única possibilidade de dúvida quanto ao meu posicionamento, lembrei de alguns autores que, por competência e genialidade, escreveram com o objetivo oposto, ou seja, para não esclarecer, no intuito de protestar, como fez Zé da Luz no início do século passado, quando escreveu o poema Ai! Se Sesse!, dizem, “... de tanto ouvir as pessoas dizerem que para escrever um poema de amor deveria fazê-lo com o português correto e palavras rebuscadas...”, ou com a clara e manifesta intenção de instigar os sentimentos [como costuma dizer um professor de literatura que conheço, “... para dar um soco na boca do estômago do leitor!”], como fez Jorge de Sena [mais sobre ele aqui] ao escrever uma obra prima chamada ‘Quatro Sonetos a Afrodite Anadiómena’.
Nas palavras do autor, o significado semântico das palavras nos sonetos dá lugar à percepção de sentidos pela imagem e pela sonoridade, e ele não poderia ter sido mais feliz em seu objetivo. Claro que as pessoas os percebem de maneiras distintas, enquanto alguns se emocionam ao lê-los, como eu, outros se valem da lógica ou da lingüística para tentar entendê-los. Não importa. Não quero aqui discorrer sobre esta obra, que já foi objeto até de dissertação de mestrado, centenas de outros já o fizeram com muita propriedade. Eu a transcrevo apenas como forma de registro do que se pode fazer com as palavras quando se sabe escrever.
I
PANDEMOS
Dentífona apriuna a veste iguana
de que se escalca auroma e tentavela.
Como superta e buritânea amela
se palquitonará transcêndia inana!
Que vúlcios defuratos, que inumana
sussúrica donstália penicela
às trícotas relesta demiquela,
fissivirão boíneos, ó primana!
Dentívolos palpículos, baissai!
Lingâmicos dolins, refucarai!
Por manivornas contumai a veste!
E, quando prolifarem as sangrárias,
lambidonai tutílicos anárias,
tão placitantos como o pedipeste.
II
ANÓSIA
Que marinais sob tão pora luva
de esbanforida pel retinada
não dão volpúcia de imajar anteada
a que moltínea se adamenta ocuva?
Bocam dedetos calcurando a fuva
que arfala e dúpia de antegor tutada,
e que tessalta de nigrors nevada.
Vitrai, vitrai, que estamineta cuva!
Labiliperta-se infanal a esvebe,
agluta, acedirasma, sucamina,
e maniter suavira o termidodo.
Que marinais dulcífima contebe,
ejacicasto, ejacifasto, arina!...
Que marinais, tão pora luva, todo...
III
URÂNIA
Purília emancivalva emergidanto,
imarculado e róseo, alviridente,
na azúrea juventil conquinomente
transcurva de aste o fido corpo tanto...
Tenras nadáguas que oculvivam quanto
palidiscuro, retradito e olente
é mínimo desfincta, repente,
rasga e sedente ao duro latipranto.
Adónica se esvolve na ambolia
de terso antena avante palpinado.
Fimbril, filível, viridorna, gia
em túlida mancia, vaivinado.
Transcorre uníflo e suspentreme o dia
noturno ao lia e luçardente ao cado.
IV
AMÁTIA
Timbórica, morfia, ó persefessa,
meláina, andrófona, repitimbídia,
ó basilissa, ó scótia, masturlídia,
amata cíprea, calipígea, tressa
de jardinatas nigras, pasifessa, luni-rosácea lambidando erídia,
erínea, erítia, erótia, erânia, egídia,
eurínoma, ambológera, donlessa.
Áres, Hefáistos, Adonísio, tutos alipigmaios, atilícios, futos
da lívia damitada, organissanta,
agonimais se esforem morituros, necrotentavos de escancárias duros,
tantisqua abradimembra a teia canta.
E no que deu o que escrevi? Pois, as coisas ainda não ficaram totalmente esclarecidas! Mas, pelo menos, saio da empreitada com um consolo e uma certeza. Consolo, por saber que, a qualquer momento, posso dizer que as minhas palavras estão lá, escritas, preto no branco, para que não restem dúvidas. E a certeza que ainda tenho um longo caminho a percorrer até aprender a me comunicar com mais clareza.
PS.: Se me dão licença, vou ali no canto ler Machado de Assis e outros notáveis para ver se aprendo alguma coisa. Pode ser que eu demore um pouco a voltar...