08 julho 2010

Uma Casa

Minha mãe conheceu aquele que seria o seu marido quando morava nesta casa, na distante década de quarenta, na pacata e litorânea Itajaí. Há muito ele já se foi, e da casa, diz ela, resta apenas um pequeno pedaço. Mas as lembranças, certamente, restam todas. E numa recente e costumeira reunião familiar de domingo, esta senhora de 83 anos nos surpreendeu com um desenho que reproduz a casa onde morou, até sair para viver ao lado do meu pai nos campos de cima da serra.

Foi a primeira vez que a vi assim, inteira. Até então, só conhecia alguns detalhes que apareciam como fundo de fotografias, como as janelas laterais e a pequena mureta embaixo onde ela posou sentada junto a primos, o jardim florido onde fez pose de mocinha comportada, e a porta da frente com a escada de dois ou três degraus onde posou ao lado do seu noivo.

Naquele domingo em que descobrimos seu escondido talento artístico, ela nos disse que precisava achar um lápis mais macio para desenhar e que já tinha uma folha de papel quadriculado onde faria outro desenho, “... mais retinho e na proporção certa”. Antes que ela percebesse, o original já estava comigo e só o devolvi no outro dia, depois de digitalizado. Hoje, assim, como quem não quer nada, comentei sobre os lápis de cor, ao que me respondeu que estavam todos em ordem, sem faltar nenhum.

Então está tudo certinho, mãe. Aguardamos por mais lembranças suas!
Gravura: D. Néli (lápis sobre papel vegetal)

8 comentários:

  1. Muito bom!
    Até para quem desenha, está. Vamos providenciar lápis 8B para ela, mas proporção não é tudo e este..., me surpreendeu.

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  2. Puis então, Beto... Surpreendeu a mim também, e fiquei imaginando a D. Néli ocupando uma tarde desenhando e lembrando e pintando e lembrando...

    Temos que incentivar mais a sua veia artística!

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  3. Agora fiquei em dúvida... temos que incentivar a veia artística ou a véia artista???

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  4. O causo caro Cola, o causo é que há quem fale por mim, pues me calo entonces, e dou a palavra pro Rillo.

    'Naqueles tempos, sim, naqueles tempos, sim,
    naqueles tempos as casas já nasciam velhas.
    Eram uma casas cálidas, solenes
    sob as telhas portuguesas, maternais.
    Em pálidos azuis eram pintadas
    e em brancos, em ocres e amarelos.
    Algumas nem mesmo tinham reboco. Na
    carne dos tijolos mostravam-se nuas,
    abertas em janelas que espiavam
    da sombra verde para o sol das ruas...'

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  5. Puis, Torero, prosa rica não tem hora pra acabar, entonces, que continue proseando o Rillo:

    'Naqueles tempos, sim,
    naqueles tempos
    tinham balcões e sacadas essas casas
    e úmidos porões e sótãos com fantasmas.
    E tinham jasmineiros sobre os muros
    e acolhedoras latrinas de madeira
    disfarçadas entre as plantas dos quintais.
    E laranjeiras e galos e cachorros
    um barril barrigudo cheio d'água
    e uma concha de lata para a sede.
    Nas varandas que eram frescas e abertas
    a moleza da sesta numa rede...'

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  6. Como o Torero não se coçou pra postar a 3a. estrofe da poesia do Rillo...

    "Naqueles tempos, sim,
    naqueles tempos
    as portas eram altas
    e alto o pé-direito das salas dessas casas.
    Mas eram simples as pessoas que as casas abrigavam.
    Os homens chamavam-se Bento, Honorato, Deoclécio,
    as mulheres eram Carlinda, Emerenciana, Vicentina.
    Os homens usavam barbas e picavam fumo em rama,
    as mulheres faziam filhos, bordados e rosquinhas.
    Os homens iam ao clube, as mulheres À missa,
    e homens e mulheres aos velórios.
    Morriam discretamente e ficavam nos retratos."

    A poesia toda, chamada "Herança", pode ser apreciada aqui: http://www.paginadogaucho.com.br/poes/asr-her.htm

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  7. Beleza, companheiro- o desenho é maravilhoso. A memória é uma coisa maravilhosa. Poucas vzs, nos últimos tempos, topei com um posto tão feliz, em todos os sentidos.

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  8. É mesmo, bitt! E quando juntamos lembranças com os apetrechos certos, podem sair coisas muito bonitas, como este desenho que foi uma grata surpresa para todos nós.
    Estamos curiosos pelos outros que ela disse que faria...

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