16 setembro 2009

9. O Coronel e o U.T.I. Futebol Clube

(Esta é uma obra de pseudo-ficção. Qualquer coincidência com personagens abstratos, fatos inventados e lugares imaginados não será mera semelhança!)

O coronel Gumercindo Neto desabou enviesado na cama já roncando, quase sete da manhã, sem nem ao menos tirar os sapatos. A Tetê os arrancou, jogou a ponta da colcha sobre o marido esparramado e foi cambaleando para o quarto de visitas. As janelas vibravam com o ronco do Arrudão. Estavam chegando de uma agitada noite de dança e muita bebida numa casa noturna conhecida por sua concorrida freqüência GLB&S. Ele jura, e a Tetê solidariamente confirma, que a primeira vez que foram não sabiam da peculiaridade da casa, só perceberam lá dentro, depois de muitas cervejas e alguns sustos! A segunda foi só para confirmar a coisa. Sobre as outras dezessete vezes, ele ajeita o galho de arruda na orelha, passa o palito mascado para o outro canto da boca e diz que foram porque a música é boa e o ambiente é familiar! Então desconversa e encerra o assunto. Nessa noite, o Arrudão sozinho deu conta da metade do estoque de cerveja do bar, e a outra metade a Tetê traçou com uma avidez e uma desenvoltura jamais vistas! Mulher de valor, a Tetê! Acompanha o marido, rente e firme! Não deu outra, tomaram um porraço os dois como nunca antes havia acontecido.
A Tetê pulou da cama, assustada, quando o telefone tocou. Atendeu meio dormindo, não era nem oito e meia, na linha o bostinha colafina perguntando se precisava pegar o Arrudão pro jogo.
— Que jogo? – resmungou. Desistiu de tentar abrir os olhos.
— O campeonato do asilo, ora. Lembra, o Arrudão confirmou com os festeiros lá do asilo uma partida beneficente...
— Não lembro...
— ...
— Que dia é hoje?... [um bocejo] – não lembro como chegamos em casa...
— Onde é que andavam? Vai dizer que lá no... lá no... de novo?
— É... – assoprou a Tetê num bocejo, se segurando prá não deitar no tapete.
— Ai, meu Deus!
— [Outro bocejo] Quê ‘ce disse?
— Que hoje o dia promete.
O bostinha colafina não soube se o que ouviu foi só um resmungo ou foi um palavrão, no meio de outro bocejo, antes da ligação ser cortada.

A Tetê era presidente da ARDIDAS, a Associação Rural da Derradeira Idade e Simpatizantes, entidade atuante em toda região da grande Cajuru que fora convidada, meio em cima da hora, para uma confraternização como parte do tradicional festejo anual para angariar fundos para o Asilo Olheicentino da cidade. Em razão da idade dos jogadores envolvidos, seria disputada uma única partida de futebol suíço, em quadra coberta. Como não encontrou nenhum associado em condições, e nem disposto a jogar, Tetê apelou para o Arrudão, que quase nunca a deixa na mão. E esqueceu o assunto.
O Arrudão então convocou o time, literalmente falando. Não adiantaram desculpas, compromissos assumidos, doenças e tratamentos, nada comoveu o coronel:
— Gente, vocês não podem dizer não, nós vamos representar a ARDIDAS. De duas uma, jogamos ou jogamos! Já assumi o compromisso, e o meu prestígio não pode ser abalado por uma bobagem dessas, por causa de um joguinho mixuruca com velhinho de asilo!
— Pois é, Arrudão, é o seu compromisso, é o seu prestígio, entã...
— Não interessa! – atropelou o coronel – Domingo todo mundo lá na quadra, sem falta! Peguem aqui o uniforme, mas olha, hein! É da ARDIDAS, depois tem que devolver. Lavado e passado!

Naquele momento o bostinha colafina teve a certeza de duas coisas. A primeira, que o Arrudão esquecera o compromisso, e a segunda, que a encrenca sobrara para ele. E depois dos festejos terminados, ao ser perguntado como conseguiu reunir o time em quadra, suspirou:
— Deixa prá lá... prefiro não comentar! Não vale a pena... [suspiro profundo] – Quero esquecer este dia...

O jogo estava marcado para as 10 horas, e o ginásio estava lotado. Parecia que a cidade inteira tinha marcado encontro lá. De um lado, os atletas do Asilo. O mais novo com oitenta e dois anos e meio, zagueiro, e o mais velho, o atacante, com quase noventa e quatro. De outro, os pacientes... quer dizer, os atletas do Arrudão representando a ARDIDAS.
O quadro era deprimente.
O arrumadinho de olho azul segurava um rolo de papel higiênico que ia desenrolando enquanto assoava o nariz e tossia catarrento, tremendo descontroladamente numa febre de 39,5°C, por causa da maior gripe que já batera no seu costado. Pendurada num dos cotovelos, uma sacola de supermercado lotada de remédios chacoalhava no ritmo do tremelique. Em pé, estaqueado ao seu lado e soçobrando sob o efeito inebriante da água de privada matinal, o Vassourinha resmungava que os joelhos estavam duros, imagine só, e as canelas doíam até para caminhar, e suspeitava que aquela garrafada pra ativar a circulação que comprou do pai Angola Abre & Tranca não estava funcionando, imagine só.

Sentado na ponta do banco comprido de madeira, o esquentadinho da cidade, com os cotovelos apoiados nos joelhos, segurava uma toalha de banho cor-de-rosa enfeitada com bichinhos coloridos, usada como lenço aparando a coriza que vertia feito bica d’água em beira de estrada do nariz já esfolado, conseqüência da mais violenta crise alérgica que jamais tivera. Nos raros intervalos entre os intermináveis acessos de espirro, pingava colírio nos olhos flamejantes e remelentos, tentando inutilmente mantê-los abertos. No mesmo banco, circunspecto e sentado a uma distância segura dos perdigotos que voavam da criatura esvaindo-se ao seu lado, o doutorzinho casca grossa amargurava sua desventura com os olhos parados mirando o nada. O sentido da sua existência, em suas próprias palavras, acabara na semana anterior quando um japonês abriu um consultório dentário, no outro lado da rua onde mantinha o seu consultório, quase porta com porta. E na mesma especialidade sua! Com tanto lugar para abrir um consultório, por que logo ali, na sua frente? Sentindo ameaçada sua exclusividade no bairro, desde então penava num estado tal de prostração que sua aparência era de alguém saindo de um beco escuro em noite de trovoada. Naquela manhã morna de um domingo de primavera envergava um sobretudo preto que ia até os joelhos, fechado até o pescoço, e um pesado óculos escuro disfarçava o olhar mortiço. Ou seja, veio jogar futebol vestido de agente funerário trazendo sua própria cumulus nimbus relampejante sobre sua cabeça!

Na outra ponta do banco, arfando no auge da pior crise asmática da sua vida e debatendo-se com o nariz enfiado na máscara de um nebulizador, olhos arregalados pelo pavor de não conseguir respirar, o enrugadinho transcendental parecia estar à beira de um colapso. No seu colo o nebulizador, ao seu lado um carrinho de fazer compras na feira, daqueles com duas rodinhas e desmontáveis, trazendo um tubo de oxigênio, uma dúzia de frascos de soro para abastecer o nebulizador e uma extensão com o fio ligando o nebulizador à tomada elétrica onde antes estava ligado o aparelho de som do ginásio. Enquanto os organizadores do evento tentavam em vão achar o defeito do microfone mudo, duas animadas, rebolantes e oitentonas velhinhas, vestidas com saiotes de animadoras da torcida do time do Asilo, usavam blocos de rifa para abaná-lo, rindo e salivando maliciosas – Hummmm... ele é uma graciiinha!

E o Arrudão... bem, o Arrudão estava sentado no chão da quadra, encostado na grade, cabeça para trás, suando frio e trocando de cor feito um camaleão. De transparente, passava a roxo, depois branco, transparente de novo... quando ficava verde, corria para o banheiro do vestiário com uma mão na boca e outra no barrigão, e revirava do avesso em espasmos estomacais e intestinais escutados e sentidos em todo o ginásio. Ressaca braba e desarranjo tão violento assim, nem daquela vez que bebeu água de privada do Vassourinha pensando que era água tônica com steinhaeger.

Depois de meia hora de atraso por conta da cagança do coronel, os organizadores deram um ultimato: ou a ARDIDAS entrava em campo, ou o Asilo seria considerado vitorioso por WO. O Arrudão, mesmo ainda tonto e fraco pela desidratação, troteou de onde estava e convocou o time para o jogo. Antes, para não comprometer a reputação, ou o que ainda restava dela, decidiram registrar-se na súmula com apelidos escolhidos na hora, unicamente para aquela partida. Nuve, 9, para o doutorzinho casca grossa. Ele mesmo soturnamente escolheu o apelido, dizendo que era pela sua conhecida habilidade no drible. Zé do Ronco, 8, por unanimidade, para o esquentadinho da cidade, por motivos óbvios. Socadinho, 14, a contragosto, para o Arrudão, pelo seu marcante porte atlético.
— Do que adianta esta porcaria de apelido, se todo mundo sabe quem sou eu?
— Porque se este jogo dá merda, o seu nome não fica registrado! – profetizou o bostinha colafina que apenas reduziu seu nome próprio para Colafina, 19. Justificou a decisão dizendo que sua incompetência futebolística era de conhecimento público, nada tinha a esconder, pois, mas prometeu fechar o gol.
O Vassourinha ouriçou os bigodes e não aceitou ser registrado como Palanquinho, 11.
— Bem, Vassourinha, pela sua vertiginosa e impressionante mobilidade em campo, pode ser também... ãh... Raízes! Que tal? Pode escolher...
O peão do coronel cofiou seu bigodão, e resmungou baixinho:
— Tá, tá, tá, que fique Palanquinho, então...
O arrumadinho de olho azul foi registrado como Coró, 6, pela incrível semelhança do bronzeado da sua pele com o subterrâneo bichinho. Da mesma forma que o esquentadinho da cidade, as suas condições de saúde não permitiram que discordasse. O enrugadinho transcendental foi registrado, também à sua revelia, como Carquejinha, 13, pela sua intimidade com chás, infusões e outras ervas. O sabidinho que fala javanês, o técnico, foi registrado como Tiúspe, the coach. Não apareceu porque atrasou a conexão do seu vôo em Timbuktu, e acabou embarcando para a Groenlândia atrás da bagagem extraviada.

O time da ARDIDAS, devidamente registrado, ficou assim: Colafina no gol; Nuve e Zé do Ronco no ataque; a dupla Palanquinho e Carquejinha na zaga; no meio de campo Coró e Socadinho, que acumulou a função de técnico. As instruções eram simples: O Colafina fecha o gol, o Palanquinho barra o avanço inimigo pelo meio e o Carquejinha anula o ataque pelas pontas. Os outros fazem o que puderem...

Em função do estado de saúde deplorável e da idade avançada dos jogadores, de um time e de outro, permitiram que o jogo começasse com os jogadores já em suas posições. O público estava impaciente com a demora da ARDIDAS, e então, para agilizar a entrada do time em campo, o Palanquinho foi carregado pelo juiz e pelo Colafina, o único são, e plantado na entrada da área. O Nuve colocou-se lá na área adversária, lúgubre, dizendo que era para passarem a bola que ele faria o resto, sem entrar em detalhes sobre o que isso significava. Zé do Ronco arrastou-se escorregando no rastro da coriza em direção ao lugubrento, que discretamente afastou-se uns passos para o lado. Coró foi conduzido tremelicando, pelo bandeirinha, até o outro lado do campo. O Carquejinha teve que largar do nebulizador, e entrou em campo apenas um passo além da linha lateral, por garantia. O Socadinho, tonto e transparente, bambeou até a linha central. O time do Asilo postou-se vagarosamente, mas sem ajuda.

O apito do juiz deu início ao jogo e... à tragédia!

O meio de campo do Asilo deu a saída rolando a bola vagarosamente para o atacante, um metro à frente, que aninhou a bola entre as pantufas e os pés de alumínio com ponteiras de borracha do andador que o sustentava, e iniciou a vertiginosa subida em direção ao gol adversário. O andador dez centímetros à frente, um toquinho na bola, um breve descanso, novamente o andador dez centímetros à frente... Arrudão, ou melhor, o Socadinho, como sói acontecer, tentou protestar, mas ao levantar o braço e dar um passo em direção ao juiz esverdeou, levou uma mão à boca e outra já nos fundilhos, e desembestou rumo ao banheiro deixando um rastro da caganeira fedorenta no gramado artificial! Gargalhada geral na torcida, o juiz, os mesários, os bandeirinhas, os gandulas, os adversários, as velhinhas de saiote e o time da ARDIDAS, todos caíram na gargalhada! Todos, menos o agente funerário e o atacante do Asilo, que era surdo e estava sem o aparelho de surdez. Alheio à balbúrdia, seguia impassível e concentrado rumo ao gol da ARDIDAS. O andador dez centímetros à frente, um toquinho na bola, um breve descanso, novamente o andador dez centímetros à frente...
— Ô, pessoal, atenção aí, olha o velhinho! – gritou lá da trave o Colafina, ainda rindo.
Por causa do riso recomeçou a crise de asma no Carquejinha, que precisou sentar e aplicar a máscara do nebulizador que as velhinhas assanhadas trouxeram até a beira da quadra. Também o Coró e o Zé do Ronco, em coro, recomeçaram a tossir e espirrar incontrolavelmente, enquanto o Nuve, de sobretudo preto e óculos escuros olhava a cena, cinzento e inerte.
— Gente, olha o velhinho! Ele tá vindo pro gol! – gritou de novo o Colafina.
O atacante do Asilo continuava sua fulminante subida, já um pouco ofegante.
Palanquinho, faça alguma coisa!
— ‘Xá comigo! – tranqüilizou o Vassourinha.
O atacante desviou alguns centímetros do Palanquinho, que plantado estava e plantado ficou, passou roçando ao seu lado e mirou novamente o gol da ARDIDAS.
Palanquinho, você não fez nada! – bronqueou o Colafina.
— ‘Ce queria que eu fizesse o quê? Como é que eu ia tirar a bola de dentro do cercadinho? Queria que desse um tranco no véinho? Ou um tóche nas zoreia? – estrilou o Palanquinho, indignado.

O velhinho entrou perigosamente na área, o andador dez centímetros à frente, um toquinho na bola, um breve descanso, novamente o andador dez centímetros à frente, olha o velhinho, gente, olha o velhinho, do meio da área olhou ameaçadoramente para o goleiro, ele vai chutar, gente, façam alguma coisa, levantou o andador, preparou o chute e... desequilibrou, geeeeente, o velhinho vai cair, foi caindo em câmera lenta tentando se apoiar no andador, que tocou na bola, que rolou em direção ao gol. O Colafina chegou a titubear por um momento, mas como era o goleiro e prometeu fechar o gol, fez a única coisa que esperavam dele naquele momento: correu prá segurar o velhinho!

O tempo parou no ginásio. A torcida se calou, olhos fixos no velhinho... no Colafina... na bola... Tudo em câmera lenta. Ninguém respirava. Ninguém tossia. Ninguém espirrava. Ninguém sufocava. Só o Arrudão estrebuchava no banheiro. O Colafina aparou o velhinho antes que estatelasse no gramado. Há quem jure, e um ginásio lotado confirma, que naquele momento o velhinho tinha um olho fechado esperando o baque e o outro meio aberto cuidando da bola, que continuou rolando devagarzinho, tocou de leve na trave esquerda, e parou, caprichosa e bamboleante, no fundo da rede do gol da ARDIDAS!

O ginásio veio abaixo, e o mundo desabou sobre o Colafina!

A festa da torcida virou carnaval. Em meio à gritaria, assovios e batucada, o Zé do Ronco, o Coró e o Carquejinha, quase morrendo e gesticulando obscenidades ao Colafina, eram recolhidos de maca pelos paramédicos do SAMU, que foram chamados por alguém na arquibancada incomodado com aquela fedentina nauseabunda que empestava o ginásio e o bairro. O Socadinho, murcho e assustado, foi retirado carregado do banheiro com os olhos arregalados e enrolado em papel higiênico. Enquanto isso, um vulto sombrio esgueirava-se furtivamente porta afora debaixo dum aguaceiro que desabava de uma nuvenzinha negra e trovejante. Em quadra, o Palanquinho, que se estatelou tentando acertar um tabefe nos beiços do goleiro, era arrastado com as pernas petrificadas em direção aos paramédicos enquanto aos berros desancava aquele estrupício que prometeu fechar o gol. Sob o peso de toda a desgraça do universo, o Colafina, qual a estátua da Pietá, amparava em seus braços um velhinho com a maior cara de safado exibindo de orelha a orelha um sorriso triunfante... e desdentado!

Este fato sucedeu-se faz alguns anos, mas a vitória do Asilo Olheicentino sobre a ARDIDAS até hoje é motivo de chacota na cidade e em todo o Cajuru, a Coxilha Rica e os campos da Vacaria. Lembrada e recontada incontáveis vezes sem trégua nem piedade, mantém aberta e sangrando uma ferida mortal no prestígio do coronel Arrudão, prestígio aliás que há tempos não anda lá essas coisas! Quanto ao bostinha colafina, desde o acontecido afortunadamente já se livrou de três tocaias e uns oito linchamentos, perpetrados de caso pensado pelos outros jogadores da ARDIDAS naquele dia fatídico, que são unânimes ao justificar suas nefastas atitudes:
— O Colafina, como goleiro, já foi um bom amigo!

29 agosto 2009

Uma Tirinha no Pedaço [sete]

FAGUNDES & ANACLETO

Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

16 agosto 2009

Vida Que Segue, Pois.

Há uns cinco anos teve início meu contato mais constante com a blogosfera. Com o passar do tempo, este contato passou a ser diário, e um dos endereços favoritos era o NoMínimo, onde escreviam escritores e jornalistas brasileiros de qualidade, como Zuenir Ventura, Villas-Boas Corrêa, Tutty Vasques, Pedro Doria, Arthur Dapieve, Sérgio Rodrigues, Xico Sá.
Pedro Dória eu acompanhava com maior frequência. Agradava-me o seu texto leve e interessante. Continuei acompanhando após o encerramento do NoMínimo em meados de 2007, através do seu blog próprio, o Weblog, a ponto de tornar-se um vício diário, um salutar vício de boa informação.
No início apenas um leitor assíduo, aos poucos um comentarista bissexto, até que de ano e pouco para cá, arrisquei-me como um participante mais contumaz, mas com muita cautela, pois o nível dos participantes da caixa de comentários do Weblog sempre foi alto. Alto nível de cultura, de inteligência, de ironia, de humor, de engajamento político, de agressividade também. Nela fiz alguns bons amigos virtuais, com os quais sempre rola um bom papo e boas discussões.
Hoje, o Weblog fechou suas portas. Pedro Dória explica os motivos na Hora da despedida, seu penúltimo post. O último é o tradicional Uma Moça às Segundas, para fechar com chave de ouro, com certeza! Não mais Uma Estantes às Quintas, nem Uma Construção, Posto Que é Domingo!
A princípio, o choque da notícia faz-me lamentar o fim do Weblog. Mas, como sabemos, movimento é vida, e a renovação faz parte do ofício de continuarmos vivos. É a constante mudança, adaptando-nos ao meio, que nos mantém a identidade.
Que esta decisão do Pedro Dória seja apenas uma etapa na realização de coisas maiores e melhores, com as quais o PD poderá brindar aos seus leitores, comentaristas e amigos que o acompanham por tanto tempo.
Pedro, tudo de bom e de bem, à você e à Marina, e que tenham tudo na medida suficiente das suas necessidades, materiais e espirituais. Força e sucesso!
Um grande abraço, e até qualquer dia!
Alexandro.

03 julho 2009

Uma Tirinha no Pedaço [seis]

FAGUNDES & ANACLETO
Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

17 junho 2009

Preservação Ambiental: Nem Tudo Está Perdido

O bom artigo Mata Atlântica: boas notícias e uma dúvida, publicado no dia 13 de maio lá no Darwiniano, traz uma informação animadora da Revista Pesquisa Fapesp dizendo que “novas técnicas de medição mostram que a porcentagem de cobertura vegetal preservada pode ser de aproximadamente 17 %, e não de 7 % como se pensava”. Como triste contraponto, no dia 26 de maio foi publicado pelo Diário Catarinense um levantamento feito pela Fundação SOS Mata Atlântica e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que aponta Santa Catarina como o estado com o segundo maior índice em desmatamento das áreas de Mata Atlântica. De acordo com o diretor de mobilização da fundação, Mario Mantovani, “a desobediência à nova lei da mata atlântica, que estabelece limites de preservação ambiental, é a responsável pelo mau resultado do Estado”. Diz ainda que “o desmatamento está associado à expansão urbana nos limites da floresta”, e que “o caso de Santa Catarina é de desobediência civil".

No mesmo artigo, o biólogo Darwinista informa o “estabelecimento do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica, que pretende 'recuperar 15 milhões de hectares de florestas até 2050'. Por trás do Pacto estão ONGs, empresas e universidades.” Aqui, está se falando de preservação e restauração da reserva legal de mata nativa e das matas ciliares, para preservar os rios e impedir a erosão dos solos. Mais um triste contraponto, e novamente envolvendo o estado de Santa Catarina: em 17 de abril, entrou em vigor o Novo Código Ambiental de Santa Catarina, em meio a uma polêmica envolvendo até o Ministério Público Federal, que o considera ilegal. A legislação federal diz que a faixa de mata ciliar deve ter no mínimo 30 metros. Pela lei catarinense, esta proteção fica reduzida e cai para cinco metros em caso de pequenas propriedades e vai até dez metros para as propriedades com mais de 50 hectares. De um lado, o governador Luiz Henrique pergunta: “ Nós queremos lavouras ou favelas?” De outro, ambientalistas alertam que “a aplicação do código pode vir a agravar catástrofes climáticas como a que castigou o estado no ano passado”.

A questão levantada pelo artigo, tanto no texto como nos comentários, trata da real possibilidade de conciliar preservação ambiental com atividade econômica, histórico antagonismo de ambientalistas e produtores rurais, tanto em termos legais como, e principalmente, na esfera política.

Não tenho formação acadêmica na área, e falta-me, portanto, o conhecimento necessário para discutir sobre técnicas e possibilidades viáveis de exploração econômica através de manejo sustentável dos recursos naturais.

Apesar de ser visceralmente favorável à preservação ambiental em todos os seus aspectos, não há como desconhecer a realidade em que vivemos: enquanto se discutem legislação, e técnicas, e alternativas econômicas, e preservação, etc. e etc., os proprietários rurais e seus agregados, que dependem da sua terra para sobreviver, não podem cruzar os braços à espera de uma solução salvadora. Eles têm se utilizado de todos os recursos disponíveis para o seu sustento, em muitos casos da forma que bem entendem, sem grandes preocupações com a garantia destes recursos para o futuro, sob o olhar compassivo e inepto do poder público.

A observação da realidade do planalto serrano catarinense mostra que a atividade de menor impacto ambiental ainda é a criação de gado para corte ou leite, e seus derivados. Porém, não é atividade geradora de emprego – poucos agregados tomam conta de grande quantidade de gado em extensa área de terra, e a riqueza gerada não é partilhada, concentrando-se nas mãos do proprietário. Outras atividades da região são a agricultura, nas poucas áreas em que é possível a agricultura mecanizada – o solo, via de regra, é bastante pedregoso, e o cultivo de pomares de frutas de clima frio, que são atividades que causam uma maior degradação pelo uso de defensivos agrícolas. Outra atividade, de longe a mais predadora, é o cultivo do pinnus, comum na região pela existência de duas grandes unidades de fabricação de papel. O ganho relativamente rápido de lucros razoáveis para os padrões regionais, que faz do plantio/replantio de pinnus uma espécie de garantia de aposentadoria para os proprietários, acaba fazendo que avancem o plantio até às margens dos rios, açudes e nascentes, e às bordas da mata nativa, sufocando-a – muitos deles a derrubam, com o único objetivo de aumentar a área de plantio. Este novo código ambiental de Santa Catarina não ajuda em nada esta já nefasta realidade, muito pelo contrário!

A preocupação com a devastação ambiental no Brasil vem de longa data. A Revista Esso do primeiro bimestre de 1959 estampava em sua última contra-capa uma previsão sombria quanto ao futuro das florestas brasileiras, alertando para o que considerava como a “construção de desertos”, em curso no país desde 1916. E na Revista Esso do final de 1960, em um artigo intitulado “Árvore da Vida”, David Azambuja, na época diretor do Serviço Florestal e secretário da Campanha de Educação Florestal, do Ministério da Agricultura, dizia que (trecho transcrito literalmente):

“Imagine uma área do tamanho do Distrito Federal (1.356 km2) completamente coberta de árvores. Duas semanas e meia depois essa mesma área está reduzida a um deserto de cinzas ainda quentes, cheio de peda­ços de troncos negros e retorcidos. Tôda a vida, ali, deixou de existir. Essa é a realidade hoje, no Brasil, onde 30 mil km2 de suas reservas flo­restais são completamente destruídas, anualmente. Constrange saber que paisagens do Brasil iguais à destas páginas (do recém-criado Parque Na­cional dos Aparados da Serra) estejam talvez destruídas dentro de 25 anos, pois, segundo previsões, as florestas do Sul do País desaparecerão neste espaço de tempo; as do Leste, em 23 anos; as do Norte, em 15. Some-se a êste quadro o fato de que, apesar de todos os esforços que estamos des­pendendo, a área reflorestada no Bra­sil ainda não ultrapassa os 10 mil km2.”

Na seção de carta ao leitor desta mesma edição, o redator-responsável diz num trecho do seu comentário a respeito deste artigo: “A coisa é realmente séria - nós, que mora­mos nas cidades, nem fazemos uma idéia. Querem um exemplo? Em 1911 São Paulo tinha 64% de florestas em seu território. Hoje está com menos de 10%, quando os técnicos no assunto recomendam um mínimo de 30%. Qual será (neste campo) a sorte do Brasil considerando que não apenas em São Paulo, como também no Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina e em todo o Nordeste as derrubadas continuam a ser feitas em ritmo cada vez mais acentuado?” Aparentemente, alguma coisa boa aconteceu pelo caminho e a devastação das florestas no país não se concretizou com a intensidade e abrangência daquelas dramáticas previsões. Felizmente. Mas já naquela época Santa Catarina estava entre os estados mais devastadores do país!

No entanto, entre tantas polêmicas, tantos pontos e contrapontos, uma notícia traz um novo alento neste caldeirão de interesses em que se transforma o assunto ‘preservação ambiental’, e se refere à criação de mais uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, e onde? Aqui mesmo, no estado de Santa Catarina, nos campos de cima da serra.

Por definição, Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) é uma unidade de conservação em área privada, gravada em caráter de perpetuidade, com o objetivo de conservar a diversidade biológica. A criação de uma RPPN é um ato voluntário do proprietário, que decide constituir sua propriedade, ou de parte dela, em uma RPPN, sem que isto ocasione perda do direito de propriedade. Este tipo de reserva tem o objetivo de promover a educação ambiental. Vale lembrar que a transformação de uma determinada área em RPPN não impede a sua exploração, que deve ser realizada com projetos de manejo que atendam a uma legislação específica.
Em 10 de setembro de 2008, a portaria nrº 74 do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) criou a “RPPN EMILIO EINSFELD FILHO”, em uma área total de 6.328,60ha, localizada nos Municípios de Campo Belo do Sul e Capão Alto, Estado de Santa Catarina, de propriedade da empresa Florestal Gateados Ltda (empresa do ramo florestal que atua no florestamento, reflorestamento, manejo florestal e comercialização de toras de pinus, eucalipto e outras coníferas, oriundas de florestas plantadas com recursos próprios).
De acordo com a lista de RPPN’s disponibilizada pelo Instituto, datada de jan/09, esta reserva é a 15ª em extensão no país, e em todo sul e sudeste somente uma reserva em Minas Gerais é maior. Em Santa Catarina existem 31 RPPN’s, e 500 em todo o país, que totalizam uma área protegida de 471.907,17ha. Isto corresponde a 4.719,07km2, ainda muito pouco em números absolutos, mas, indiscutivelmente, um começo.
Como o título lá em cima já diz, nem tudo está perdido, porém muito precisa ser mudado, e atitudes como estas, de criação de reservas particulares, mesmo que sejam movidas por algum tipo de benefício fiscal ou financeiro, ou ganho institucional pela exploração de uma imagem preservacionista, não importa, devem ser comemoradas e incentivadas. Que venham mais empresas e proprietários que tenham um olhar no futuro, e que tomem hoje atitudes que farão a diferença, no futuro! Precisamos muito disso.

23 maio 2009

Uma Tirinha no Pedaço [cinco]

FAGUNDES & ANACLETO
Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

08 abril 2009

Uma Tirinha no Pedaço [quatro]

FAGUNDES & ANACLETO
 Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

03 abril 2009

A Arte do Floreado – ou ‘Como Falar Muito Sem Dizer Nada!’

--Mensagem original----­
De:...................... Jocenir
Enviada em:...... Quarta-feira, 19 de Abril de 2000 12:10
Para:................... Adelaide; Aderiana; Alfonsus; Anaximandro; Badenpaulo; Carlous; Carolyne; Cellio; Darcy; Dyrci; Doniseth; Edsan; General; Edii; Italio; Itamaran; Horje; Joseph; Katina; Luanita; Louis; Marcus; Marildah; Marion; Megan; Raymund; Richardón; Roberio; Rosalena; Soraya; Sândara; Sergitho; Silvanie; Tomazo; Vanderelei; Willianson;
Assunto:............. teste


teste de lista de distribuição - por favor acuse recebimento.

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--Mensagem original----­
De:...................... Anaximandro
Enviada em:...... Quarta-feira, 19 de Abril de 2000 12:36
Para:................... Jocenir
Assunto:............. ENC: Resposta ao teste


Caro Joce, o Menir!

É com grande satisfação que acuso o recebimento de sua graciosa comunicação. Aguardo ansioso por novos contatos, tão gratificantes e condutores de indescritíveis, auspiciosos e vitais bálsamos reconfortantes.

Seu criado e discípulo
Anaximandro.


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--Mensagem original----­
De:...................... Jocenir
Enviada em:...... Quarta-feira, 19 de Abril de 2000 13:55
Para:.................. Anaximandro
Assunto:............ RES: ENC: Resposta ao teste


Insígne e Conspícuo Anaxi

A programação funcional sistemática de uma lista de distribuição centrada na observância perpendicular redirecionada de seus componentes exige uma postura vertical quanto à retroação logística da mesma, é claro que se observada toda a progressividade permissiva de sua estrutura transacional de uma forma em que a planificação bilateral condensada dispensa toda a pompa usada na resposta dessa mensagem, o que acaba ocasionando uma projeção central insumida inócua.

um abraço
Jocenir

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--Mensagem original----­
De:...................... Anaximandro
Enviada em:...... Quarta-feira, 19 de Abril de 2000 14:23
Para:................... Jocenir
Assunto:............. RES: RES: ENC: Resposta ao teste


Meu guru!

Aos tolos, aos apalermados, aos obtusos e estreitos de visão, aos reticentes à magnitude da sapiência, aos ocos de coração e alma, aos desprovidos de luz e de vontade, aos alijados de qualquer esteio de caráter, aos desesperançosos, aos párias e aos proscritos; aos sedentos de fé, aos ávidos de sabedoria, aos retos de coração mas frágeis de vontade, aos ricos de virtudes mas distorcidos de objetivos, aos humildes mas mal orientados; a todas estas criaturas, todas, sem exceção, reproduzirei tão profundas e magnânimas palavras, e tornar-me-ei signatário e portador de tão sublimes ensinamentos, bálsamos reconfortadores de tantas e dolorosas feridas que assolam nossas almas cansadas e sedentas de luz.

Seu fiel seguidor
Anaximandro.


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[cutuco]
— Quié?
— Disfarça, que o chefe tá olhando!
— Putz!

01 abril 2009

Uma Tirinha no Pedaço [três] - atrasada tipo bicho!

FAGUNDES & ANACLETO
Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

29 março 2009

Sobre Sótãos, Escritórios e Outras Lembranças!

Aproximadamente 400 volumes de livros e revistas que um dia fizeram parte da biblioteca de meu pai estão hoje, por empréstimo à família, à minha frente, mal acomodados nas prateleiras de duas estantes que ocupam toda uma parede do escritório aqui de casa. Por empréstimo, pois ainda são da família, estão aqui porque fiz questão de mantê-los comigo e também porque nenhum dos meus irmãos tinha espaço suficiente para acomodá-los.

Cresci enfurnado no escritório[1] apertado da casa de meus pais, onde se misturavam livros, revistas, mesa para desenho, banqueta, rolos de papel vegetal, escrivaninha, cadeira, uma caixa enorme para guardar as plantas com projetos arquitetônicos, réguas de todo tipo e tamanho e, ocupando quase meia parede, prateleiras lotadas de canetas e penas para desenho, vidros de tinta nanquim, lápis, borrachas e tudo o mais que se utilizava na época em desenho técnico, a maioria acondicionada em caixinhas de metal com tampas de dobradiças, que originalmente embalaram lápis >>LOTUS<<, da Johann Faber. Uma destas caixinhas está aqui ao lado do teclado, com algumas canetas para nanquim com cabos coloridos, e um compasso tira linhas. A última vez que usei uma destas canetas bico de pena foi em meados da década de 70, durante uns três ou quatro dias em que fiquei de molho num quarto do sótão[2] por conta de uma virose qualquer dos tempos de juventude, quando rabisquei uma folha de cartolina que acabou virando um quadro, pendurado na parede atrás de mim.

Ainda hoje estes livros, tão familiares, com capas descoradas, amareladas, muitas delas estragadas pelo uso ou carcomidas pelo tempo – são livros das décadas de 30, 40 e 50 – trazem à memória a lembrança de bons momentos passados naquele canto muito especial da nossa casa, lendo vários destes mesmos livros hoje na minha estante, folheando revistas, navegando pelo mundo e pelo espaço nas páginas dos atlas[3] e devorando Seleções do Reader’s Digest.

Por estes dias, acabei folheando novamente uma daquelas revistas, a Revista Esso, uma publicação bimestral da Esso Standard do Brasil Inc., com Théo de Castro Drummond como Redator-Responsável. A melhor analogia que me ocorre é que ela seria uma espécie de Superinteressante daquela época, com a diferença de haver muitos artigos sobre obras do governo e sobre trabalhos de pesquisa e desenvolvimento da própria Esso. Tenho comigo 19 números, do 3º bimestre de 1956 ao 4º bimestre de 1960, com 7 números faltando neste intervalo. Em média 12 matérias em 24 páginas de folhas grossas, já meio amareladas. O que desencadeou estas memórias foi uma matéria no exemplar do 3º bimestre de 1957 – exatamente da minha idade, portanto – sob o assunto “Pioneiros da Indústria: Aparelhos de Ótica e Precisão”, que transcrevo literalmente:

"Em 1940, um rapaz de Santos (S. Paulo) escreveu ao Pre­sidente da República, apresentando um novo modêlo de telêmetro de depressão se propondo a fabricar aquêle ins­trumento – que até então era importado – para a Artilharia de Costa. Seis meses depois, era chamado à presença do Ministro da Guerra, para explicar detalhes do projeto. E demonstrou tamanha convicção da exequibilidade de seu plano, que voltou à sua terra com ajuda oficial para iniciar o trabalho. Seu nome: Décio Fernandes Vasconcelos.

Surgiu, aí, o primeiro grande problema: o rapaz tinha idéias, tinha mesmo algum dinheiro, mas não tinha onde fa­bricar o telêmetro, nem pessoal especializado. Isso, porém, não seria obstáculo. Décio lembrou-se de que, em 1922, com 13 anos de idade, fabricara no porão da casa de seus pais um rádio-receptor. Por sinal, na época, aquêle aparelho era privativo do Exército e por isso o pai do "inventor" teve de dar explicações à Justiça. Em segui­da, Décio (que tinha um comportamento "diferente" dos meninos de sua idade) foi levado pelo progenitor a um médico, para saber como andavam suas faculdades mentais...

Agora, para fabricar um aparelho ótico que se rivalizasse com o importado, era preciso um pouco mais do que um simples porão. Tratou de mudar-se para São Paulo e comprou oficina, na rua Mauá, onde começou o trabalho. Tempos depois, voltou à presença das autoridades mi­litares, levando debaixo do braço o primeiro telêmetro fa­bricado no Brasil. E o aparelho, submetido à prova, demons­trou ser tão bom ou melhor do que o importado.

Hoje, aquêle moço de Santos possui a única fábrica sul­-americana (e sétima, em importância, de todo o mundo) de aparelhos de ótica e precisão. Ali, sob a supervisão do próprio Décio, perto de quinhentos operários e dezenas de en­genheiros especializados produzem, além do telêmetro de precisão, 81 outros produtos, entre os quais binóculos, lunetas oftálmicas, teodolitos, lentes para projeção de cinemascópio, máquinas fotográficas e o poliópticon – um brinquedo muito interessante e de múltiplas aplicações, cuja licença para fa­bricação na América do Norte já foi solicitada por duas conhecidas firmas especializadas dos Estados Unidos.”

Eis que, ao bater o olho na foto da linha de montagem, algo chamou a atenção: aquelas caixinhas com cara de bonecos de olhos e boca arregalados não me eram estranhas! Pois, ali estava registrado para o futuro a linha de montagem das máquinas fotográficas modelo Kapsa, do tipo caixinha, e eu tenho comigo uma dessas, também herdada de meu pai, embalada em sua caixa original e devidamente acompanhada do seu manual!

Liguei para minha mãe, e ela confirmou que muitas das fotos antigas que ela tem guardadas em álbuns e caixas, foram batidas com esta máquina. Fabricada na década de 50, era robusta e resistente a quedas. De funcionamento simples, apenas três ajustes manuais de abertura do diafragma e duas velocidades de disparo, uma delas também manual, determinada pelo tempo que se mantém o disparador pressionado, e para ver a imagem pelos visores era necessário segurá-la na altura da barriga.

Está em bom estado de conservação e, apesar de um pouco de poeira, nenhum dano aparente em seu mecanismo e suas peças. Acredito que ainda deve bater boas fotos, se encontrar o filme recomendado. E é claro, também precisa descobrir quem o revele! Quem sabe um dia, quando bater novamente a nostalgia de um tempo muito bom, de tantas e tão boas lembranças!


_________________________Notas de rodapé:
[1] – A simples palavra escritório exerce sobre mim um fascínio difícil de explicar. Sempre me lembrou livros, pesadas mesas com muitos papéis, lápis, canetas, luminária de mesa e máquina de escrever que, de uns tempos pra cá, foi substituída pelo computador. Acho estranho uma casa sem escritório, senão uma peça exclusiva, mas pelo menos um canto com prateleiras, livros e uma mesa para trabalho.
[2] – Tenho fascínio também por sótãos, e isso é uma coisa mal resolvida na minha vida! Morei em uma casa com sótão por poucos anos durante a juventude, e depois de adulto morei ano e pouco num quarto de pensão, também no sótão. Depois disso, casa, apartamento e casa novamente, com dois pisos, mas sem sótão. Acabei privando meus filhos de sentir o prazer de dormir num sótão, embalado pelo barulho de chuva em telhas de barro. Terei que conviver com isso para todo o sempre!
[3] – Atlas é caso de obsessão mesmo, tenho vários, desde aqueles da minha infância até os adquiridos mais recentemente, quando imaginei que meus filhos herdariam o gosto. Mas aí apareceu um tal de computador e uma tal de Internet, e nada mais aconteceu como combinado. Eles até folhearam seus atlas escolares, que acabei herdando deles, mas não passaram disso. Pena, também não sentiram o prazer de descobrir o mundo e o universo nas mágicas páginas de um atlas.