07 fevereiro 2010

Uma Tirinha no Pedaço [dez]

FAGUNDES & ANACLETO
Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

01 fevereiro 2010

Sobre Velório e Inquietude

Acabo de ler o texto no qual o Rafael Galvão descreve em seu último parágrafo, em três linhas, o que para ele foi o enterro mais pungente de sua vida, e lembrei-me daquele que para mim foi o velório mais inquietante, e do qual fui apenas um fugaz expectador. Infelizmente não saberei ser tão sucinto quanto ele.

Há alguns anos, voltando para casa após uma festa de aniversário na casa de um amigo, por volta das 3:00h da madrugada gelada de um domingo de inverno, passamos em frente a uma capela mortuária na rua ao lado do principal cemitério da cidade. Em frente à capela não havia ninguém, e na rua nenhum carro estacionado. No interior da capela iluminada, podia-se ver pela porta de vidro fechada, na sala cercada de cadeiras vazias, um caixão, com duas velas grandes acesas aos pés de um ornamento metálico na parede ao fundo, e nenhuma coroa de flores ou outro arranjo de qualquer tipo. À esquerda, na primeira cadeira encostada à parede, uma única pessoa velava aquele corpo. Sentado com as pernas e os braços cruzados, protegido do frio encolhido dentro de um pesado casaco com as golas levantadas e com um gorro de lã que cobria as orelhas, um homem dormia com o queixo afundado no peito. Um arrepio estremeceu todo meu corpo naquele momento, e não foi pelo frio da madrugada.

A angústia que senti ao ver a absurda solidão daquela cena perdurou por semanas, e retorna com a mesma intensidade sempre que a relembro, mais ainda agora em que a descrevo. Sempre me questionei se a existência daquela criatura sendo velada foi tão vazia quanto seu velório, ou se alguma outra obscura circunstância desenhou tão amargurado quadro. Nunca o saberei.

24 janeiro 2010

Deus & Cia Ltda [dois]


“EU DETERMINO EM NOME DE JESUS, QUERO SAÚDE PARA MIM, ESPOSA E FILHOS L.C., M.H. E L.H..
PRECISO QUE O SENHOR HONRE A MINHA FÉ, POIS SOU DIZIMISTA E OFERTANTE DA CASA DO SENHOR JESUS.
NECESSITO DA PROSPERIDADE DE DEUS, POIS É NA ÁREA QUE SOU MAIS PROVADO.
QUERO TER MEU PRÓPRIO NEGÓCIO, QUERO CONQUISTAR OS DONS DO SENHOR, SABEDORIA, AUTORIDADE DA PALAVRA, ADORAÇÃO, DOM DE TOCAR VIOLÃO. QUE SEJA TUDO PARA HONRA E GLÓRIA DO SENHOR DOS EXÉRCITOS.
AMÉM!...”

Este texto não é uma oração, nem mesmo um pedido. É a determinação de uma pessoa que parece cobrar seus direitos de consumidor, a imposição da satisfação dos seus desejos, a exigência do cumprimento de itens contratuais, pois afinal de contas ele é dizimista...

Manuscrito em maiúsculas e ocupando metade de uma folha de caderno universitário, foi ofertado a Igreja (...) junto com a quantia de R$ 400,00 em dinheiro;

Posso estar enganado, mas pelos dons que ele quer ter, aposto que seu objetivo é tornar-se pastor da Igreja, ou fundar a sua própria...

21 janeiro 2010

Deus & Cia Ltda

“A empresa Deus & Cia Ltda - Comércio de Secos e Molhados é especializada no aviamento de receitas de lucro fácil como prosperidade material e sucesso empresarial, de concessão de dons divinos e mundanos, de promessas de cura de qualquer mal físico ou mental, de aquisição de cadeiras numeradas e lotes celestiais, e presta serviço garantido no exorcismo de satanismos em qualquer nível de bestialidade.

A administração comercial e financeira está a cargo de seus sócios minoritários, mas não menos importantes e com larga experiência no ramo, Seu filho Jesus e Seu fiel faz tudo Espírito Santo, para possibilitar ao Sócio majoritário ocupar-se tão somente da administração da mega-super-hiper-premium-plus-master-blaster holding Universo & Eternidade, da qual Ele é o único proprietário e onde acumula as funções de presidente, tesoureiro, secretário, encarregado da limpeza e do cafezinho, gerente de recursos humanos, de marketing, e office boy.

Oferecemos a líderes pastorais estabilidade no emprego e polpudas comissões pela venda de produtos, e atendimento preferencial e descontos especiais a dizimistas e ofertantes da casa do Senhor, seja ela qual for.

Sua satisfação e seu dinheiro são a nossa satisfação!”

Gravura: http://www.saskschools.ca/~gregory/settlers4.html

27 dezembro 2009

Orquestra Sapofônica do Cajuru

Noite quente de um sábado de primavera, no mágico estio após um aguaceiro no fim da tarde. A poucos metros à direita, uma lagoa rasa formada pelas águas da chuva e de um banhado no terreno vizinho, do outro lado da taipa de pedras meio submersa que corta a lagoa ao longo da divisa do campo. A mesma lagoa onde o Rosilho atolava até os joelhos para pastar o capim aflorando à superfície, e onde hoje pasta sozinha a Alazana.

O nome mais apropriado para a orquestra seria grilofônica, ou talvez cigarrafônica, mas ao vivo, pisando o capim molhado lá pertinho da lagoa, o coaxar se sobressaía aos cricrilos que, nesta gravação, porém, destacaram-se sobremaneira. Então, aumente o volume e saboreie um som que quase não se ouve mais na cidade, a barulheira de bichos na natureza. O som do mato.

Com vocês, a Orquestra Sapofônica do Cajuru!

19 dezembro 2009

Sebastião Salgado, o Fotógrafo Social, um Brasileiro

Aos 65 anos, Sebastião Salgado, que é hoje um dos fotógrafos mais famosos do mundo, tem sua obra permeada pela preocupação com as mazelas sociais. Seus principais trabalhos são verdadeiras crônicas sobre a vida das pessoas excluídas. Sua preocupação social fez com que, em 2001, fosse nomeado representante especial do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

De origem mineira, nasceu em Aimorés no dia 8 de fevereiro de 1944. Deixou a cidade aos 16 anos para estudar em Vitória, no Espírito Santo, e depois foi para São Paulo, onde se formou em Economia. Um dia depois de sua formatura, casou-se com Lélia Deluiz Wanick, com quem vive até hoje e tem dois filhos, Juliano e Rodrigo, que tem síndrome de Down. “Acho que muita coisa que faço hoje, próxima do social, de cunho humanitário, foi Rodrigo quem me trouxe. Ele me deu outra compreensão da vida, outra maneira de eu ver a humanidade, de me situar”, disse o fotógrafo, em entrevista à BBC Brasil.

A carreira de Salgado começou em 1969, quando ele foi para Paris fazer doutorado em Economia. Durante suas férias acadêmicas, visitou a África e encantou-se pela fotografia a tal ponto que mudou de profissão. Em 1973, resolveu ficar de vez na Europa, onde iniciou sua nova carreira. Os trabalhos de Sebastião Salgado ficaram marcados por mostrar, com sensibilidade, o cotidiano das pessoas, tanto da Europa como dos países por onde viajava. Entre 1979 e 1993, dedicou-se a vários projetos desafiadores, como a cobertura da guerra de Angola, o sequestro de israelenses, em Entebe, na Uganda, e a publicação do livro Outras Américas, no qual retratou os pobres da América Latina.

Para muitos, sua consagração se deu, definitivamente, com as fotos do atentado ao presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 1981, trabalho que lhe rendeu bastante fama. Ele foi o único a conseguir retratar o presidente ferido.

Um de seus projetos de maior destaque é Êxodos, que mostra imagens captadas em 41 países, onde documentou populações marginalizadas, na sua maioria crianças e mulheres sem-teto. A exposição teve estréia mundial em Nova Iorque. O jornal Le Monde publicou artigo sobre Êxodos, em que descreveu Salgado como “...um fotojornalista que vai além da estética da imagem. Suas fotos trazem reflexão, onde a maioria das pessoas se identifica, dando um ar universal à obra”. Atualmente, Salgado se dedica ao projeto de campanha mundial para erradicação da poliomielite, em parceria com o Unicef e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Fonte: Revista Funcef, ed 38, ago09
                                                  



Em cima, a partir da esquerda:
Os pobres trabalhadores da terra, Ceará – Brasil, 1983
Refugiados de Gourma-Rharous – Mali, 1985

Em baixo, a partir da esquerda:
Refugiados de Gondan – Mali, 1985
Serra Pelada, Pará – Brasil, 1986
Rio Bonito do Iguaçu, Paraná – Brasil, 1996

13 dezembro 2009

Uma Tirinha no Pedaço [nove]

FAGUNDES & ANACLETO

Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.

11 dezembro 2009

Fazer a Diferença, Fazendo Diferente

Posso mudar a minha vida fazendo diferente. Fazendo diferente, mudaremos o mundo nós todos.




12 novembro 2009

De Cavalheirismo e Guerra Fria

Às 10 horas da manhã do dia 12 de fevereiro de 1908, em New York, seis carros  alinham-se na rua 43 entre a Broadway e a Sétima Avenida. Três franceses, um italiano, um alemão e um norte-americano, todos abertos, com seus tripulantes expostos ao tempo frio e nevoso daquele dia de inverno. Aguardam o sinal de partida para uma corrida  que os levará à Paris. De New York até São Francisco, de lá por mar até Vladivostock, com pequeno trecho em estrada no Alaska, e prosseguindo através da Rússia até Moscou, depois Berlim e, finalmente, Paris

À época, fora dos limites urbanos as estradas eram apenas “... caminhos carroçáveis que quebravam os rins, arrancavam dentes, sacudiam os ossos, mesmo em pleno verão – e estávamos num mês de fevereiro cheio de neve, com temperatura em torno de 0°C.” [Revista Esso – 1956, nº 4]. Contrariando até mesmo as previsões mais otimistas, apenas dois carros não superaram os desafios da aventura que entraria para a história como A Grande Corrida .


A gravura de Peter Helck  ilustra o momento em que a equipe americana, pilotando o Thomas Flyer, socorre o Protos, da equipe alemã, atolado na lama nas cercanias de Vladivostok. Depois de dividirem uma garrafa de vinho, as equipes tornaram a se acomodar em seus carros e recomeçaram a corrida, rumo à distante Paris.

A lembrança que tenho desta gravura remonta aos primeiros anos da década de 60, e no seu transcorrer, durante minha infância e pré-adolescência, a esta lembrança foram se somando as histórias sobre os conflitos da época, principalmente uma dita guerra fria  entre russos e americanos. Na minha cabeça infantil, a gravura então passou a ter outros significados, como o exemplo de altruísmo e – também, e principalmente – cavalheirismo entre os competidores. No auge da guerra fria, na minha imaginação, custava a acreditar que pudesse haver tamanho desprendimento entre aqueles homens cujos governos estavam em permanente e perigosa disputa. Este sentimento de incredulidade e admiração aflorava cada vez que folheava a Revista Esso, que ainda guardo, ou mesmo à simples lembrança da gravura quando o assunto surgia nas conversas em família, ou com amigos.

Passaram-se alguns anos até que a razão colocasse ordem nos sentimentos relacionados à gravura. Foi quando, entrando na fase adulta, me dei conta que, em primeiro lugar, o Protos era um carro alemão e pilotado por alemães, não russos. Em segundo, este encontro aconteceu em 1908, muito antes dos conflitos envolvendo americanos e alemães, e naquela época a guerra fria entre russos e americanos não existia nem em sonho. Mas de nada adiantou o ordenamento, aqueles significados confusos estavam por demais entranhados na memória, gravados desde a infância e permaneceram vivos por toda minha vida adulta. E é por ainda hoje despertarem tão boas lembranças que decidi publicá-las. A gravura, e as lembranças. Estou satisfeito por isso!

Quem ganhou a corrida ? Quase seis meses depois da largada, completaram a prova o Thomas Flyer  americano com 26 dias de vantagem sobre o Protos  alemão, 35 dias sobre o Zust  italiano e 56 dias sobre o De Dion  francês. Dos outros carros franceses, o Sizaire-Naudin  abandonou a prova logo após a largada e o Moto-Bloc  desistiu antes de chegar a São Francisco. Deles todos, o Thomas Flyer é o único ainda existente, exposto  no National Automobile Museum, em Reno, Nevada, USA.

02 novembro 2009

Uma Tirinha no Pedaço [oito]

FAGUNDES & ANACLETO

Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.