Mostrando postagens com marcador Brasileiros. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Brasileiros. Mostrar todas as postagens

03 maio 2012

Jorge Amado, o retrato da Bahia

Jorge Amado nasceu em 10 de agosto de 1912, na fazenda Auricídia, em Ferradas, distrito de Itabuna (BA). Filho de Amado de Faria, fazendeiro de cacau, e Eulália Leal, é o primogênito de três irmãos. Antes que completasse dois anos, ele e a família se mudaram para Ilhéus, fugindo de uma epidemia de varíola. No litoral sul da Bahia, em meio a lutas políticas e disputas pela terra, o menino Jorge Amado ganhou intimidade com o mar, elemento primordial de sua obra. A região cacaueira também se tornou um dos cenários preferidos do autor, presente em livros como Terras do sem-fim, São Jorge dos Ilhéus e Tocaia Grande.

Com onze anos foi mandado a Salvador para estudar no Colégio Antônio Vieira onde, três anos depois, conseguiu seu primeiro emprego: repórter policial no Diário da Bahia. Em seguida, passou a trabalhar em O Imparcial. Em 1928, fundou com amigos a Academia dos Rebeldes, reunião de jovens literatos que pregavam “uma arte moderna, sem ser modernista”.

Jorge Amado filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro (PCB) e chegou a ser preso, quatro anos depois, em 1936, no Rio de Janeiro, acusado de participar da Intentona Comunista. Naquele ano, Jorge Amado também publicou um de seus livros mais líricos, Mar Morto, que inspirou o amigo Dorival Caymmi a compor a música É doce morrer no mar.

Na década de 50, após um turbulento período de exílio na Europa, a literatura do baiano passou a dar mais relevo ao humor, à sensualidade e ao sincretismo religioso. O livro Gabriela Cravo e Canela, escrito em 1958, marca essa nova fase que, como o escritor preferia dizer, representou “uma afirmação e não uma mudança de rota”. As mulheres inventadas por Jorge Amado consagraram-se no imaginário popular e ganharam as telas da televisão e do cinema. Nas décadas de 70, 80 e 90, os livros do autor viraram filmes e novelas.

Com um quadro clínico agravado pela cegueira parcial que o deprimiu por impedi-lo de ler e escrever, o escritor morreu em agosto de 2001, poucos dias antes de completar 89 anos. Seu corpo foi cremado e as cinzas enterradas junto às raízes de uma velha mangueira, no jardim de sua casa, ao lado de um banco onde costumava descansar, à tarde, em companhia de sua mulher, Zélia Gattai.

Centenário – Neste ano em que Jorge Amado completaria 100 anos, uma série de homenagens percorrerá o Brasil. Entre as festividades estão o filme Capitães da Areia, da cineasta Cecília Amado, neta do escritor; a peça Dona Flor e seus dois maridos, que entra em cartaz no Rio de Janeiro, e o lançamento da caixa Mulheres de Jorge Amado, uma coletânea de quatro romances do escritor: Dona Flor e seus dois maridos, Tereza Batista Cansada de Guerra, Tieta do Agreste e Gabriela Cravo e Canela. Em Salvador, Jorge Amado foi tema do carnaval de 2012 no famoso circuito Barra-Ondina. As escolas Imperatriz Leopoldinense (RJ) e Mocidade Alegre (SP) também homenagearam o escritor.
Fonte: Revista Funcef, ed 56, jan/fev12.
Ilustração: André Koehne

O mundo só vai prestar
Para nele se viver
No dia em que a gente ver
Um maltês casar 
Com uma alegre andorinha
Saindo os dois a voar
O noivo e sua noivinha
Dom Gato e Dona Andorinha”

06 julho 2011

Moacyr Scliar, Entre o Humanismo e o Realismo Literário

"Acredito, sim, em inspiração, não como uma coisa que vem de fora, que 'baixa' no escritor, mas simplesmente como o resultado de uma peculiar introspecção, que permite ao escritor acessar histórias que já se encontram em embrião no seu próprio inconsciente e que costumam aparecer sob outras formas – o sonho, por exemplo. Mas só inspiração não é suficiente."

A opinião é do médico e escritor, Moacyr Jaime Scliar, que desde pequeno lia sobre medicina e dizia que em sua casa poderia até faltar comida, mas livro, jamais! Pelas ruas de Bom Fim, em Porto Alegre (RS), era conhecido como o 'menino-escritor'. Aos sete anos escreveu uma autobiografia em papel de embrulho de pão, mas ficou frustrado ao ver que a história não cabia em meia folha.

Filho de imigrantes russos, Scliar nasceu no dia 23 de março de 1937, em Porto Alegre. Foi alfabetizado pela mãe, que era professora primária, e em 1943 passou a estudar na Escola de Educação e Cultura. Em 1955 começou o curso de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde se formou, em 1962. Ainda na graduação, publicou Histórias de um médico em formação e, em 1968, O carnaval dos animais, que ganhou prêmio da Academia Brasileira de Letras.

Moacyr Scliar iniciou a carreira em 1963, com a residência em clínica médica. Trabalhou no Serviço de Assistência Médica Domiciliar e de Urgência (SAMDU), de Porto Alegre. Passou a atender os desassistidos da cidade e lutou contra a tuberculose, muito comum à época. Essa experiência o ensinou a lidar com a dor e a esperança. Mesmo cuidando da saúde do povo, Scliar não parou de escrever, tornando-se, em 1993, professor visitante da Brown University (no Departamento de Português e Estudos Brasileiros e na Universidade do Texas, nos EUA).

Devido ao seu caráter humanista, o escritor tinha fama de comunista sem nunca ter se filiado a nenhum partido. “Sou incapaz de fazer mal a uma mosca. Posso ser bonzinho na vida real, mas não na literatura. O escritor tem que assumir a sua crueldade e não mascarar a realidade com finais felizes”, dizia.

Autor de 74 livros entre romances, contos, ensaios, crônicas, ficção, infanto-juvenil e textos para imprensa, Scliar deixou um legado que marcou fortemente a literatura brasileira na segunda metade do século 20. O escritor ocupou a cadeira nº 31 da Academia Brasileira de Letras. Em sua carreira, ganhou vários prêmios, entre eles: Brasília (1977), Mário Quintana (1999) e Jabuti (1988, 1993, 2000 e 2009).

O médico-escritor faleceu em 27 de fevereiro de 2011, em Porto Alegre, aos 73 anos,vítima de um acidente vascular cerebral.
Fonte: Revista Funcef, ed 52, mai/jun11.



Lágrimas e testosterona
(Último texto, publicado no caderno Ciência, 7 de Janeiro de 2011)

Atenção, mulheres, está demonstrado pela ciência: chorar é golpe baixo. As lágrimas femininas liberam substâncias, descobriram os cientistas, que abaixam na hora o nível de testosterona do homem que estiver por perto, deixando o sujeito menos agressivo. Os cientistas queriam ter certeza de que isso acontece em função de alguma molécula liberada — e não, digamos, pela cara de sofrimento feminina, com sua reputação de derrubar até o mais insensível dos durões. Por isso, evitaram que os homens pudessem ver as mulheres chorando. Os cientistas molharam pequenos pedaços de papel em lágrimas de mulher e deixaram que fossem cheirados pelos homens. O contato com as lágrimas fez a concentração da testosterona deles cair quase 15%, em certo sentido deixando-os menos machões.  (Continua aqui).

26 junho 2010

Cecília Meireles, uma Brasileira (1901-1964)

Entre o verso e o engajamento, Cecília Meireles fez de sua obra legado para a educação e para as letras, se afirmando como uma das maiores vozes poéticas da língua portuguesa. Nascida no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, em 1901, Cecília Benevides de Carvalho Meireles teve uma infância trágica, marcada pela morte prematura de seus pais. Ela mesma narraria mais tarde: “Nasci aqui mesmo no Rio de Janeiro, três meses depois da morte de meu pai, e perdi minha mãe antes dos três anos.” Criada pela avó materna, se torna professora primária em 1917, atividade a que se dedica durante longo período. A estréia literária acontece aos 18 anos com o livro de poemas Espectros, o primeiro de uma obra que tem como marcas o virtuosismo da forma, a intimidade, a intuição. Artista de seu tempo, flerta com a revolução estética do movimento modernista brasileiro, inaugurado em 1922, e se torna figura ativa da cena cultural brasileira, encontrando no país, no seu folclore, na sua gente e nas suas paisagens material para sua criação.

A partir de 1925, dedica ainda maior entusiasmo à vocação de educadora. Encampa uma luta em prol a renovação do sistema educacional vigente. Entre 1930 e 1933 tem como arma a página de educação que dirige no jornal carioca Diários de Notícia, onde deixa evidente sua postura política democrata e seu espírito contestador.

Coleciona, durante esses anos, inimigos e desafetos. Ao lado do marido, o pintor português Fernando Correia Dias, inaugura no Rio de Janeiro, em 1934, a primeira biblioteca infantil especializada no país. Ainda no início da década de 30, inicia um produtivo período de conferências no exterior, apresentando na Europa e nos Estados Unidos, as diversas faces da cultura brasileira. De volta ao país, em 1935, enfrenta mais um momento trágico, o suicídio de seu marido. Retorna ao magistério, lecionando na Universidade do Distrito Federal (atual UFRJ), e à atividade jornalística, escrevendo sobre folclore no jornal A Manhã e crônicas para o Correio Paulista. Em 1940 casa-se com o professor e engenheiro agrônomo Heitor Vinícius da Silveira Grilo.

Em 1939, recebe da Academia Brasileira de Letras (ABL) o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, pelo livro Viagem. Em sua vasta produção literária destacam-se títulos como Baladas para El Rei (1924), Mar absoluto (1945), Romanceiro da inconfidência (1953), além de importantes obras sobre literatura infantil, educação, folclore e ainda traduções.

Aposenta-se como diretora de escola, em 1951, mas continua atuante, escrevendo e ainda produzindo e editando programas para rádio. Morre em 1964, na cidade onde nasceu. Tendo sempre o verso como espelho interior, Cecília Meireles manteve a liberdade como condição permanente de sua criação: “...Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

Fonte: Revista Funcef ed 25 mar08

Lua Adversa

Tenho fases, como a lua,
fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Perdição da vida minha!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua...).
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...


Canção do Sonho Acabado

Já tive a rosa do amor
- rubra rosa, sem pudor.
Cobicei, cheirei, colhi.
Mas ela despetalou
E outra igual, nunca mais vi.

Já vivi mil aventuras,
Me embriaguei de alegria!
Mas os risos da ventura,
No limiar da loucura,
Se tornaram fantasia...

Já almejei felicidade,
Mãos dadas, fraternidade,
Um ideal sem fronteiras
Cecília Meireles desembarcando em Lisboa, em outubro de 1934.  Bico de pena do seu primeiro marido, Fernando Correia Dias.- utopia! Voou ligeira,
Nas asas da liberdade.

Desejei viver. Demais!
Segurar a juventude,
Prender o tempo na mão,
Plantar o lírio da paz!
Mas nem mesmo isto eu pude.

Tentei, porém nada fiz...
Muito, da vida, eu já quis.
Já quis... mas não quero mais...

Cecília Meireles desembarcando em Lisboa, em outubro de 1934.
Bico de pena do seu primeiro marido, Fernando Correia Dias.

19 dezembro 2009

Sebastião Salgado, o Fotógrafo Social, um Brasileiro

Aos 65 anos, Sebastião Salgado, que é hoje um dos fotógrafos mais famosos do mundo, tem sua obra permeada pela preocupação com as mazelas sociais. Seus principais trabalhos são verdadeiras crônicas sobre a vida das pessoas excluídas. Sua preocupação social fez com que, em 2001, fosse nomeado representante especial do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

De origem mineira, nasceu em Aimorés no dia 8 de fevereiro de 1944. Deixou a cidade aos 16 anos para estudar em Vitória, no Espírito Santo, e depois foi para São Paulo, onde se formou em Economia. Um dia depois de sua formatura, casou-se com Lélia Deluiz Wanick, com quem vive até hoje e tem dois filhos, Juliano e Rodrigo, que tem síndrome de Down. “Acho que muita coisa que faço hoje, próxima do social, de cunho humanitário, foi Rodrigo quem me trouxe. Ele me deu outra compreensão da vida, outra maneira de eu ver a humanidade, de me situar”, disse o fotógrafo, em entrevista à BBC Brasil.

A carreira de Salgado começou em 1969, quando ele foi para Paris fazer doutorado em Economia. Durante suas férias acadêmicas, visitou a África e encantou-se pela fotografia a tal ponto que mudou de profissão. Em 1973, resolveu ficar de vez na Europa, onde iniciou sua nova carreira. Os trabalhos de Sebastião Salgado ficaram marcados por mostrar, com sensibilidade, o cotidiano das pessoas, tanto da Europa como dos países por onde viajava. Entre 1979 e 1993, dedicou-se a vários projetos desafiadores, como a cobertura da guerra de Angola, o sequestro de israelenses, em Entebe, na Uganda, e a publicação do livro Outras Américas, no qual retratou os pobres da América Latina.

Para muitos, sua consagração se deu, definitivamente, com as fotos do atentado ao presidente dos EUA, Ronald Reagan, em 1981, trabalho que lhe rendeu bastante fama. Ele foi o único a conseguir retratar o presidente ferido.

Um de seus projetos de maior destaque é Êxodos, que mostra imagens captadas em 41 países, onde documentou populações marginalizadas, na sua maioria crianças e mulheres sem-teto. A exposição teve estréia mundial em Nova Iorque. O jornal Le Monde publicou artigo sobre Êxodos, em que descreveu Salgado como “...um fotojornalista que vai além da estética da imagem. Suas fotos trazem reflexão, onde a maioria das pessoas se identifica, dando um ar universal à obra”. Atualmente, Salgado se dedica ao projeto de campanha mundial para erradicação da poliomielite, em parceria com o Unicef e a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Fonte: Revista Funcef, ed 38, ago09
                                                  



Em cima, a partir da esquerda:
Os pobres trabalhadores da terra, Ceará – Brasil, 1983
Refugiados de Gourma-Rharous – Mali, 1985

Em baixo, a partir da esquerda:
Refugiados de Gondan – Mali, 1985
Serra Pelada, Pará – Brasil, 1986
Rio Bonito do Iguaçu, Paraná – Brasil, 1996

16 outubro 2009

Manuel Bandeira, um Brasileiro (1886 - 1968)

Manuel Bandeira afirmou um dia que “a poesia está em tudo, tanto nos amores quanto nos chinelos, tanto nas coisas lógicas quanto nas disparatadas”. Para dar conta dessa diversidade de temas, Bandeira revolucionou a poesia, aproveitando em seus versos a fala coloquial e os fatos do cotidiano. Sua visão do mundo não se expressava em reflexões sociais ou filosóficas, mas na observação dos detalhes mais corriqueiros da vida, sempre com um sentimento de humildade diante das coisas. A influência de Bandeira sobre os jovens modernistas foi tão grande que Mário de Andrade o chamava de São João Batista do modernismo brasileiro.

Em 1922, o poeta não participou da Semana de Arte Moderna, mas seu poema Os Sapos , lido por Ronald de Carvalho, provocou reações radicais. A trajetória poética de Manuel Bandeira  foi pautada pela busca permanente de novas formas de expressão. Em seu livro de estréia, A cinza das horas, (1917), usou formas fixas em seus versos parnasiano-simbolistas. Já em Carnaval (1919) e O ritmo dissoluto (1924) optou pela liberdade formal, que se tornaria uma das marcas registradas de sua poesia, e se aproximou dos ideais modernistas, que assumiria integralmente nos versos livres de Libertinagem (1930). Nesse livro estão seus poemas mais conhecidos, como Vou-me embora pra Pasárgada  e Evocação do Recife. Ali se fixam os grandes temas do poeta: a família, a solidão, o medo da morte, a infância no Recife.

Mal saído da adolescência, Bandeira apresentou os primeiros sintomas da tuberculose, doença então fatal, que o obrigou a interromper os estudos. O jovem que até ali fazia versos por brincadeira passou a escrevê-los por necessidade, diante da fatalidade do destino. A perspectiva da morte foi uma constante em sua poesia e motivou um de seus poemas mais famosos: Pneumotórax.

Entre 1916 e 1920, enquanto lutava contra a doença, Bandeira perdeu a mãe, a irmã e o pai, passando a viver solitariamente, apesar dos amigos e, mais tarde, das reuniões na Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em 1940.

Apesar de apaixonado por mulheres, nunca se casou, e costumava dizer que “perdeu a vez”. Durante toda a vida, fez críticas de artes plásticas, crítica literária e musical para jornais e revistas, além de ter organizado antologias de poetas brasileiros e de ter publicado o estudo Apresentação da Poesia Brasileira (1946). Em 1954 publicou Itinerário de Pasárgada, onde, além de suas memórias, expõe todo o seu conhecimento sobre formas e técnicas de poesia, o processo da sua aprendizagem literária e as sutilezas da criação poética.

Em 1968, Bandeira faleceu no Rio de Janeiro, vítima de parada cardíaca, e não da tuberculose que o acompanhou durante quase toda a vida.

Fonte: Revista Funcef, ed 21, set/out07.


Pneumotórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.

Mandou chamar o médico:
— Diga trinta e três.
— Trinta e três... trinta e três... trinta e três...
— Respire.

O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
— Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.



Vou-me Embora pra Pasárgada


Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconsequente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcaloide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
— Lá sou amigo do rei —
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

Ilustrações
acima à esquerda: Fraga
abaixo à direita: Novaes