12 novembro 2009

De Cavalheirismo e Guerra Fria

Às 10 horas da manhã do dia 12 de fevereiro de 1908, em New York, seis carros  alinham-se na rua 43 entre a Broadway e a Sétima Avenida. Três franceses, um italiano, um alemão e um norte-americano, todos abertos, com seus tripulantes expostos ao tempo frio e nevoso daquele dia de inverno. Aguardam o sinal de partida para uma corrida  que os levará à Paris. De New York até São Francisco, de lá por mar até Vladivostock, com pequeno trecho em estrada no Alaska, e prosseguindo através da Rússia até Moscou, depois Berlim e, finalmente, Paris

À época, fora dos limites urbanos as estradas eram apenas “... caminhos carroçáveis que quebravam os rins, arrancavam dentes, sacudiam os ossos, mesmo em pleno verão – e estávamos num mês de fevereiro cheio de neve, com temperatura em torno de 0°C.” [Revista Esso – 1956, nº 4]. Contrariando até mesmo as previsões mais otimistas, apenas dois carros não superaram os desafios da aventura que entraria para a história como A Grande Corrida .


A gravura de Peter Helck  ilustra o momento em que a equipe americana, pilotando o Thomas Flyer, socorre o Protos, da equipe alemã, atolado na lama nas cercanias de Vladivostok. Depois de dividirem uma garrafa de vinho, as equipes tornaram a se acomodar em seus carros e recomeçaram a corrida, rumo à distante Paris.

A lembrança que tenho desta gravura remonta aos primeiros anos da década de 60, e no seu transcorrer, durante minha infância e pré-adolescência, a esta lembrança foram se somando as histórias sobre os conflitos da época, principalmente uma dita guerra fria  entre russos e americanos. Na minha cabeça infantil, a gravura então passou a ter outros significados, como o exemplo de altruísmo e – também, e principalmente – cavalheirismo entre os competidores. No auge da guerra fria, na minha imaginação, custava a acreditar que pudesse haver tamanho desprendimento entre aqueles homens cujos governos estavam em permanente e perigosa disputa. Este sentimento de incredulidade e admiração aflorava cada vez que folheava a Revista Esso, que ainda guardo, ou mesmo à simples lembrança da gravura quando o assunto surgia nas conversas em família, ou com amigos.

Passaram-se alguns anos até que a razão colocasse ordem nos sentimentos relacionados à gravura. Foi quando, entrando na fase adulta, me dei conta que, em primeiro lugar, o Protos era um carro alemão e pilotado por alemães, não russos. Em segundo, este encontro aconteceu em 1908, muito antes dos conflitos envolvendo americanos e alemães, e naquela época a guerra fria entre russos e americanos não existia nem em sonho. Mas de nada adiantou o ordenamento, aqueles significados confusos estavam por demais entranhados na memória, gravados desde a infância e permaneceram vivos por toda minha vida adulta. E é por ainda hoje despertarem tão boas lembranças que decidi publicá-las. A gravura, e as lembranças. Estou satisfeito por isso!

Quem ganhou a corrida ? Quase seis meses depois da largada, completaram a prova o Thomas Flyer  americano com 26 dias de vantagem sobre o Protos  alemão, 35 dias sobre o Zust  italiano e 56 dias sobre o De Dion  francês. Dos outros carros franceses, o Sizaire-Naudin  abandonou a prova logo após a largada e o Moto-Bloc  desistiu antes de chegar a São Francisco. Deles todos, o Thomas Flyer é o único ainda existente, exposto  no National Automobile Museum, em Reno, Nevada, USA.

02 novembro 2009

Uma Tirinha no Pedaço [oito]

FAGUNDES & ANACLETO

Clênio Souza, artista plástico, escultor, cartunista, poeta e desenhista, originalmente publicado em O Momento.