01 janeiro 2009

Qualidade de Vida – ou ‘Os Ratos da Cidade Vão ao Campo Passear!’

É sábado, 27 de dezembro, início da tarde. A estrada sinuosa forrada de pedras, cortando um campo amarelado de trigo recém colhido, obriga um ritmo lento e cuidadoso. A ansiedade agora é de chegar o quanto antes, para aproveitar melhor o fim de semana. Saindo da estrada logo depois da ponte e tomando um caminho estreito em subida, quase uma trilha no meio de campo e matos, deixamos para trás esta vista do trigal ao longe, que disputa espaço com plantações de pinheiro americano. Nada é perfeito. É pena, pois nesta região de uma beleza sem igual, o pinus se alastra como peste.

Junto conosco, minha esposa e eu, estão nossa filha mais nova e um grande amigo, irmão de coração, momentaneamente desgarrado da sua família. Estamos a caminho do sítio de outro bom amigo que, por excesso de confiança, há tempos nos deu cópia das chaves dos portões que fecham os terrenos vizinhos que temos de atravessar. Da casa não nos deu cópia da chave porque a porta permanece fechada, mas não trancada. Quem chega, gira a maçaneta e entra. Ele e a esposa ficarão por lá até início de janeiro e nos convidaram a aparecer, mas não sabem que estamos indo. Reforçamos a despensa e a cerveja já vai no isopor com gelo. Nem precisa avisar, somos sempre bem vindos.
Estes momentos no sítio, que chamamos de estância, não têm preço. O valor da paisagem, da natureza intacta, da boa companhia, da conversa fácil, descompromissada, séria ou bem humorada, regada a café, cerveja gelada ou chimarrão, não se mede nem se conta. São momentos que existem e pronto. Nós os vivemos, usufruímos, eles nos alimentam e nos unem, e crescemos como gente e como amigos. Simples assim.
Ainda no sábado, final de tarde, quase sete horas, uma caminhada de 20 minutos até a cachoeira para desenferrujar as juntas. O sol estava baixo e não iluminava mais a cachoeira [por isso a má qualidade das fotos], com seus paredões de pedra no formato de uma ferradura e a queda d’água com uns 9 metros de altura. Água rala, muito tempo sem chuva consistente, mas ainda assim uma bela vista. Ajeitar-se nas pedras e pensar na vida ouvindo a música da cachoeira foi um convite pro cochilo, que não aconteceu por causa das pedras jogadas na água para molhar os incautos! Coisa de crianças cinquentonas... Em tempos normais, as pedras onde eu me encontrava ficam cobertas pela água, e o espetáculo da cachoeira é de extasiar.

No domingo de manhã, sob um sol cozinhante, o trabalho pesado de reforçar o portão antigo de madeira bruta pintada de branco e substituir os palanques que o sustentam, e esticar os fios de arame farpado. Terminamos exaustos, mas satisfeitos pelo serviço bem feito. À tarde, depois de um arroz com galinha preparado no capricho pelo nosso amigo desgarrado, um banho de chuva – coisa de crianças, claro – que caiu só o suficiente para amenizar um pouco o calor.

A volta para casa foi como sempre é, um tanto melancólica, pois sempre queremos ficar mais um pouco, e também muito tranqüila, pela satisfação da saída da rotina, do convívio amigo e fraterno, e da paisagem de um fim de tarde de verão, que proporciona, entre tantas coisas, um olhar diferente sobre aquela imagem da vinda no dia anterior.

Como sempre se despede o Brancaleone, um assíduo freqüentador da blogosfera, para fazer inveja a nós, ratos da cidade, só resta dizer:
— Sorry, urbanóides!