13 dezembro 2008

Noite de Autógrafos

Na noite de sábado, vinte e nove de novembro, no hall do SESC, aconteceu o lançamento do livro "ENTRE SEM BATER", uma coletânea de 28 textos de 14 autores, alguns de primeira viagem como eu, e outros nem tanto. Para todos nós, escritores iniciantes, um incentivo ao exercício da escrita, e para alguns, quem sabe, também o início de uma profícua carreira literária.

No livro, no capítulo Histórias de Um Coronel de Estância, estão publicados os episódios 2 e 3 de A Saga do Cajuru, com as aventuras e desventuras do Coronel Arrudão, o seu cão Traíra e seu fiel peão Vassourinha pelos pagos do Cajuru.

A coletânea foi organizada pelo professor de literatura da UFSC e escritor Manoel Ricardo de Lima, que também foi um dos revisores e o orientador dos três encontros realizados a partir do final de junho.

Esta obra é fruto do Programa SESC de Formação de Escritores, que “privilegia a experimentação e as dinâmicas da escrita literária, sem apresentar receitas prontas. Unindo teoria e prática, o curso prevê a participação dos alunos em todo o processo, como a escrita dos textos, disseminação da produção, envolvimento da mídia e lançamento do Caderno de Autoria, como resultado do trabalho. A Coleção Caderno de Autoria surge em consonância com o cenário cultural brasileiro e com as diretrizes do Departamento Nacional do SESC enquanto estímulo à produção, difusão dos bens culturais e incentivo a novos artistas” [Sesc/SC].

Na foto, o momento em que escrevo a dedicatória à minha mãe, que sorria orgulhosa pelo feito inédito do seu filho mais novo! Ao fundo, minha irmã, atenta, organiza a fila para os autógrafos! :-D

23 novembro 2008

As Coisas Como Elas São

A maioria das pessoas que conheço passa a vida guardando, e carregando para cima e para baixo montanhas de tralhas que adquiriu por achar que precisava daquilo, alimentando a cultura predatória do consumo, e não se desfaz de nada por achar que um dia pode precisar. Raramente precisa. Não vale a pena tanto esforço, tralhas atravancam a vida. Livrar-se delas abre espaço na casa e na cabeça. Deixa o ambiente mais aberto, mais limpo, e a vida como um todo também fica mais leve.

Eu sou uma dessas pessoas. Passei toda a minha vida arrastando um fardo desnecessário, preocupado em demasia com um futuro de provável carestia. Esqueci de acreditar na minha própria capacidade de suprir as minhas necessidades, e da minha família, quando elas surgissem. Há algum tempo comecei a mudar minhas atitudes. Aos poucos, afinal, não tem como radicalizar chutando o balde e mudando em alguns dias um hábito cultivado por 40 ou 50 anos. Já consigo fazer o ‘passeio socrático’ e à noite dormir sem traumas, arrependimentos, nem culpas. Pelo contrário, fico satisfeito por não perder o controle sobre aquilo que eu realmente preciso. E tenho necessitado de cada vez menos coisas!
Acredito cada vez mais na premissa de tenha ou faça o suficiente: trabalhar o suficiente para garantir conforto e segurança suficientes para nós e nossa família, ter anseios e ambições suficientes para não estagnar em depressão e motivar-nos a buscar sempre o melhor, mas sem transformar esta ambição em um fim em si mesma, adquirir apenas o suficiente para as nossas necessidades... e, como conseqüência, repensar tantas outras coisas do nosso dia a dia, como reduzir o consumo para reduzir o lixo, consumir melhor para reaproveitar e reciclar o descarte gerado, repensar hábitos para racionalizar o uso dos recursos naturais...
É complicado, às vezes. Mas perfeitamente possível, basta vontade e acreditar que isso é bom para mim e para o mundo. O vídeo abaixo ajuda a conhecer melhor a origem, destino e consequência do ciclo produtivo e de consumo, e serve de alerta para quem ainda se importa com o que pode ser feito. O vídeo é um pouco longo, mas muito didático. Você não vai perder o seu tempo, tenho certeza!

18 outubro 2008

8. O Coronel e o Sumiço do Vassourinha

(Esta é uma obra de pseudo-ficção. Qualquer coincidência com personagens abstratos, fatos inventados e lugares imaginados não será mera semelhança!)

O coronel Gumercindo Neto virou à esquerda logo depois da ponte e parou a camionete em frente ao portão de arame farpado que fecha a estrada que leva à estância. A noite estava quente e escura, nublada, sem lua. Ficou ruminando as idéias, olhos perdidos lá adiante onde a luz dos faróis iluminava o capim alto e o seu cão correndo, as orelhas compridas subindo e descendo parecendo as asas de um pato tentando levantar vôo, e sumindo na curva do caminho estreito. Era sempre assim. O Traíra fazia todo o percurso da ponte até a estância correndo e latindo, e fuçando em todos os buracos e macegas, e mergulhando nas sangas e poças d’água. Chegava primeiro e recebia o coronel latindo e rosnando como a um estranho. – Cachorro esquisito... – pensou. Estranhou a demora do Vassourinha para abrir o portão, o terceiro até ali. Até a estância, mais três. Pôs a cabeça para fora:
— Vassourinha! Tá dormindo, diabo?
Olhou a carroceria pelo vidro traseiro da cabina, mas estava muito escuro e não viu ninguém. Chamou de novo pela janela, e nada.
— Vou te acordar no tabefe, seu traste! – falou alto, enquanto desembarcava e procurava pelo Vassourinha no assoalho da caçamba, mas só achou um garrafão com um pingo de água de privada e os sacos de sal e de ração que trazia para o gado.
— Mas cadê ele? – resmungou, olhando em volta.
— Vassourinha! Ô, Vassourinha! – começou a chamar enquanto procurava em volta da camionete, na estrada, e nos matos da beira da estrada.
— Deve estar mijando... E se caiu no rio, aquela anta?
Foi até a ponte, e cuidou prá ver se escutava algum barulho diferente na água. Nada. Começou a ficar preocupado. Voltou à camionete e manobrou devagar na estrada até dar uma volta completa, procurando o peão com cuidado até onde a luz alcançava. Embicou novamente em frente ao portão, baixou os faróis, e tentou se concentrar no que fazer. O Vassourinha simplesmente havia sumido! Ele agora estava, realmente, muito preocupado.
Não era sem razão. Vassourinha era viciado em água de privada já de longa data. No terceiro copo desembestava a pregar a palavra de Deus empoleirado num cupinzeiro – que insistia em dizer que era dele – dirigindo-se a uma multidão de pecadores que só existia em seu delírio! De acordo com uma bruxa velha, benzedeira, a quem o coronel recorre de vez em quando, “... puis, se a cachaça empedra os figo e endurece os joeio, água de privada cozinha os miolo e desinvereda as idéia! ”.
Há uns três anos Vassourinha passou uma semana internado no hospital, abaixo de sedativos, por problemas causados pelo seu vício. Naquele período, o coronel e alguns dos seus amigos se revezaram cuidando do seu peão durante as seis noites do internamento para poupar os seus pais, que o atendiam durante o dia. Todo o tempo, alheio ao mundo real, Vassourinha viveu uma vida só sua, rica em detalhes, com muita imaginação e aventuras. Teve de tudo. Desde dormir sentado, com um olho fechado e o outro arregalado, o que deixou o doutorzinho casca grossa de cabelo em pé, e pedir pro arrumadinho de olho azul sair da frente para ele poder espremer os bernes da Quilemeio, sua vaca de estimação, até achar que seu pé direito debaixo do cobertor era o celular que havia perdido, encostá-lo na orelha e ligar para o advogado para falar da sua questã na junta. Divertiu-se com o alvoroço do bando de macacos pendurados nas árvores que cresciam dentro do quarto, e rasqueteou o rosilho montado pelo bostinha cola fina, que foi visitá-lo entrando a galope pela parede à direita da cama. Sob os cuidados do enrugadinho transcendental, abriu valetas nos corredores e cercou o paciente da cama ao lado da sua com palanques de eucalipto besuntados com óleo queimado ‘... prá proteger da umidade, do jeito que o coronel gosta’.
Mas o que ele mais fez foi discutir com alienígenas, funcionários públicos do planeta Seh Plan, o oitavo do sistema Preh Feyt Hurah, na constelação Lah Gehns. O peão argumentava aos burocratas, categórico, que não embarcaria na nave estacionada flutuando ao lado da janela do quarto, porque a papelada estava somente em quatro vias, deviam ser cinco, e faltava o carimbo do chefe, ‘... sem carimbo não embarco’. Enquanto isso, na beira da porta da nave, um alienígena com olhos puxadinhos e cara de dono de lavanderia enchia copos enormes com água de privada fresquinha e oferecia ao Vassourinha, que salivava e choramingava ‘... mas eu não posso, entendam, tá faltando o carimbo...’. Esta discussão era tão freqüente e com tantos detalhes, que o coronel acabou ficando em dúvida se era só delírio mesmo. Depois que saiu do hospital, o Vassourinha melhorou bastante fisicamente, mas a cabeça deu uma baqueada. Volta e meia, durante a pregação divina lá no cupinzeiro, os alienígenas reaparecem e o peão titubeia, gagueja, e já não discute com tanta firmeza como dantes. Algumas vezes até diz: ‘Então quero ver seu chefe!’.
Um arrepio sacudiu o coronel, que começou a tremer incontrolavelmente e, todo atabalhoado, saiu da camionete testavilhando em círculos, ligando várias vezes para a estância até achar um lugar onde o celular desse sinal:
— Tetê de Deus! – gritou, quase aos prantos – O Vassourinha foi abduzido!

— Ora, homem, você não acredita realmente nessa bobagem, não é?
Tetê está em pé, na cozinha, e à sua frente, sentado à mesa e afundado nos cotovelos, está o coronel, que mal consegue segurar uma xícara com chá de camomila que ela preparou prá acalmar o homem.
— Era só o que faltava, essa história de disco voador e ET carregando o Vassourinha! E justo o Vassourinha, com tanta gente importante dando sopa por aí? Vai ver, ele pulou da camionete no meio do caminho e você nem viu!
— Mas de que jeito, mulher, se ele abriu o portão que tem antes da ponte? E eu vi ele voltar para a carroceria, eu juro que vi...
E não adiantou Tetê argumentar. Depois de umas horas desistiu e foi se deitar. O coronel naquela noite não dormiu, e até quase amanhecer andou dum lado pro outro na casa feito alma penada, arrastando as suas correntes, lamentando os seus erros e se arrependendo das suas culpas. Ah!, se pudesse voltar atrás e tratar melhor o seu peão, talvez ele não tivesse ido embora com aqueles ET’s... Tetê também não dormiu. Nunca tinha visto seu marido daquele jeito, aquele ataque de remorsos, o vai-e-vem pela casa, os resmungos, as lamúrias, os suspiros e os choramingos do coronel deixaram-na preocupada. Não com a saúde do coronel, claro que não, pois ele era socadinho mas tinha saúde, era outra coisa que a incomodava. Todo aquele desatino só por causa do Vassourinha não era normal, devia haver alguma coisa mais que ela deveria saber, e ainda não sabia. A história estava muito mal contada, e naquele momento uma pulga aninhou-se em seus cabelos, atrás da orelha, trazendo consigo uma maçaroca de minhocas que se espalharam pela sua cabeça, acabando com seu sossego.
Já era dia quando o latido do Traíra e um relincho pros lados da porteira interromperam os seus pesadelos. Os dois haviam apenas cochilado depois de uma madrugada inquieta, já quase amanhecendo o dia, a Tetê embolada nas cobertas reviradas e o coronel sentado ao lado do fogão, babando emborcado na chapa fria. Pôs-se de pé num sobressalto, sem saber direito onde estava, e num pulo alcançou a varanda. Parecia que não dormia há semanas. De longe, o cavaleiro acenou e o cumprimentou:
— ‘Dia, coronel.
O peão do seu primo trazia na garupa uma figura que o coronel reconheceu na hora.
— Vassourinha! Vassourinha, você voltou! – gritou e desembestou desatinado em direção aos homens montados na égua Cheirosa, que subia a passo o caminho que levava à casa. Ainda correndo, metralhou:
— Como foi que conseguiu escapar? Eles te machucaram? O que foi que eles te fizeram, homem? Como eles são? O que eles queriam? Tiraram alguma coisa de você? Um rim, um pedaço do teu fígado empedrado para estudo, uma mecha dos cabelos? Cadê a nave? De onde eles vieram? Fala, homem, não agüento a curiosidade, como foi que tudo aconteceu?
O cavaleiro segurou a Cheirosa e gaguejou, assustado com a correria do coronel:
— Ih!, seu coronel, não tô entendendo o que o senhor tá falando... encontrei o Vassourinha dormindo no fundo daquele valão perto da ponte, a par do portão de arame farpado. Tô indo em direção da ponte quando ouvi um ronco, até a égua assustou, achei que era leão baio... E olha, seu coronel, tava assim de urubu no pinheiro que tem ali do lado. Deu trabalho tirar ele lá de dentro, tive que puxar com a Cheirosa! Ele me disse que caiu no valo ontem à noite, quando desceu da camionete prá abrir o portão, seu coronel. Pelo jeito nem deu tempo de gemer, já caiu dormindo...
O manotaço do coronel no bico da bota quase arrancou a perna do Vassourinha, que dormia encostado no peão, e assustou o animal.
— Seu estrupício! – trovejou o coronel – Eu aqui na maior aflição desde ontem, não preguei o olho a noite toda, de preocupado, e você vem me dizer que passou a noite roncando no valo? Seu traste! – outro manotaço quase derrubou o Vassourinha do lombo da égua – E a história dos alienígenas, o que é que você me diz? Hein? Hein? A nave na janela, a papelada sem carimbo? Vai, seu bosta, desembucha! Seu incompetente, nem prá ser abduzido serve! Vamos, homem, desembucha!
O Vassourinha, do alto da montaria, olhos vermelhos piscando em câmera lenta, resmungou:
— Mas, coronel, do que é que o senhor tá faland... uuuggooóóóÓÓÓ!!! – e despejou numa golfada, do narigão adunco às botas do Arrudão, o garrafão inteirinho de água de privada que havia bebido na noite anterior na carroceria da camionete, empestando o coronel com o mais grudento, pestilento e tenebroso fedor de latrina jamais sentido naquelas bandas do Cajuru!
Bem feito! Não mandou desembuchar? Pois, então!
Quanto ao valo, até hoje é conhecido por todos na região como “o valo do Vassourinha”, batizado numa solenidade de descerramento de placa organizada pelos amigos do Arrudão, com direito a gaiteiro, lambisco e tudo mais, devidamente registrada em fotografia.
Apesar da insistência, o coronel não compareceu ao evento!

16 outubro 2008

O Discurso

Discurso proferido na solenidade de formatura do Curso de Ciência da Computação - Sociedade Lageana de Educação. Lages, SC, 08 de março 2003.

É uma grande honra representar meus colegas de curso, e do alto deste palco dirigir a palavra a todos os presentes. Este momento representa muito mais que uma simples formatura. Este é um momento especial em nossa vida pessoal e representa um marco em nossa vida profissional que se inicia.

Senhores, esta é a solenidade de formatura da primeira turma do Curso de Ciência da Computação, o primeiro curso superior da Facvest!
Num país sem tradição de investimento em educação, e menos ainda em pesquisa como é o Brasil, nosso pioneirismo mistura-se ao pioneirismo deste empreendimento corajoso, que é a construção e consolidação de um centro universitário numa das regiões mais pobres do estado. Nossa cidade não se destaca na economia, mas está ao lado das mais importantes cidades do estado no quesito educação com 3 instituições de curso superior que nos fazem pólo educacional da extensa região do planalto catarinense. Um país que não investe na educação perde a soberania, a credibilidade e a esperança de uma vida e um país melhor para seus filhos e netos. Sem a educação nos faltarão as idéias, a confiança e o orgulho de ser o que somos e conseqüentemente perderemos nossos sonhos, substância de que somos feitos e que nos impulsionam e nos fazem seguir adiante e lutar por nossos ideais. Nosso país precisa acreditar e investir na educação de qualidade para seu povo florescer como uma grande nação no futuro.
O futuro nunca é incerto para aqueles que sonham. Com a Facvest plantou-se uma semente cujos frutos engrandecerão seus idealizadores, seus mestres e seus alunos, e farão com que nossa região seja geradora e celeiro de conhecimento, e nós, seus frutos, estamos construindo o futuro desta instituição. Aliás, já somos seu futuro.
E mais que isso: somos os sobreviventes dos 81 alunos que iniciaram o curso em setembro de 1998. Sobrevivemos a noites mal dormidas, a noites não dormidas, a frustrações, inseguranças, sobrevivemos até aos poucos momentos de lucidez em meio à loucura de trabalhos, provas, programas que não rodavam, nos quais nos perguntávamos: onde foi que eu me meti? Mais do que ninguém, a Ciência da Computação nos ensina, a duras penas, que verdades são efêmeras e mutáveis. Que fria e exata deve ser nossa ferramenta de trabalho, não nossa forma de pensar. Mais do que ninguém, a Ciência da Computação nos ensina que devemos conhecer o cálculo, mas nossos clientes são pessoas, não números. E que a tecnologia está a serviço da vida, deve prover, facilitar, proteger, e que o homem é seu criador, não sua criatura.
Hoje, muitos podem montar computadores, editar textos, até desenvolver programas, mas poucos podem projetar redes, administrar bancos de dados ou compreender as necessidades dos clientes e desenvolver soluções apropriadas. Se a tecnologia facilita o uso de computadores a qualquer pessoa, é porque cientistas da computação estudaram, pesquisaram e trabalharam arduamente para isto. Este agora também é o nosso trabalho.
Somos sobreviventes e vitoriosos.
Nada em nossa vida é por acaso, e esta vitória nos custou muito. Ela não caiu do céu, nem nos foi ofertada de bandeja. Por isso temos que valoriza-la. Por isso precisamos a todo custo fazer com que a Facvest seja respeitada como uma instituição que oferece ensino de qualidade, para que nosso diploma também seja valorizado e respeitado. Esta é uma tarefa conjunta: de um lado a instituição oferecendo as condições necessárias para a qualidade no ensino e na pesquisa, e de outro, alunos também comprometidos com um aprendizado de qualidade, e com uma pesquisa séria. Este é o nosso desafio, graduandos e bacharéis: fazer a nossa parte, buscar sempre o melhor de nós, dedicar ao nosso trabalho desvelo de obra-prima, para que nossas obras reflitam qualidade, confiança e segurança. Assim, com certeza teremos orgulho de nossos diplomas, e tudo o mais virá por acréscimo.
Falando em vitória, é preciso dizer que ela não é somente nossa. É também de todos os que conviveram conosco nestes 9 semestres e com seu apoio incondicional participaram do nosso esforço em chegar até aqui: nossa família, nossos amigos, nossos professores. Mas principalmente, nossa vitória é de pessoas muito especiais para nós, porque começaram conosco esta jornada e por um motivo ou outro não estão neste palco. São os colegas que sentaram-se ao nosso lado, partilharam trabalhos, orientaram nossas dúvidas, resolveram problemas, e se dependesse de nós estariam aqui em cima conosco. Nominando alguns poucos, quero homenagear a todos eles: Lawrence, Andréia, Patrick, Pelego, Cristiano, Alexandre, Emílio, Zóio, William, Leslie, Rondinele, obrigado a todos, estaremos em suas formaturas, nossa vitória também é de vocês.
Aproveitando-me do fato de ser o orador, peço a todos que por favor perdoem meu egoísmo, mas falarei agora um pouco sobre mim. Quero compartilhar com todos a emoção que senti há quase cinco anos quando fui acolhido por estes meninos e meninas como se fosse um deles, como se fizesse parte da turma deles desde sempre. Egoisticamente, quero dizer a todos que muito cresci como pessoa e como cidadão, alimentado pelo convívio diário com criaturas como estas, de corações tão generosos. Quero revelar que o tempo em sua marcha inexorável deixou marcas em meu rosto, mas também permitiu que meu coração remoçasse pela alegria cativante de seus espíritos juvenis. Que tive ampliados meus horizontes pela visão aberta e sem medos destes jovens lutadores, e renovada minha crença num futuro melhor para nossos filhos e netos pelos sentimentos de justiça e fraternidade destes jovens cidadãos. Sem pudor, confesso que tive alimentado meu ânimo e vigor pela sua mocidade impetuosa, e assim busquei a força que necessitava para poder acompanhá-los. Alimentei minha alma e meu intelecto com suas sapiências e conhecimentos, e assim consegui a serenidade e o raciocínio que me tornaram um igual. Naquilo que somos, temos um pouco de cada um, e de todos. Cada um de nós, a seu modo, contribui com o que tem. E de vocês, tenho o que vocês têm de melhor. Para mim é uma honra e um privilégio tê-los como amigos.
Acreditem, daqui a muitos anos ainda falaremos da quietude e sabedoria do Elias, sempre nos surpreendendo com a entrega dos trabalhos na data certa, da esperteza e da paixão vascaína do Gilberto divertindo a turma do fundão (deixe quieto), da timidez e do capricho da Andréa, com sua presença calma e sem malícia, e da amizade e lealdade do Luís entretendo-nos com suas histórias (ele é estranho, mas muito divertido). Ah! E com certeza também falaremos com saudade daquele fantástico churrasco, oferecido pelo Luís, ao pé de uma cachoeira lá em Urubici. Foi ótimo, vocês lembram?
Como primeira turma do Curso de Ciência da Computação da Facvest sempre abrimos caminhos, e continuaremos a fazê-lo, com certeza. Saímos daqui com a sensação do dever cumprido, do sonho realizado. Que possamos honrar a educação e a dedicação que recebemos de nossos pais. Que possamos ser bons exemplos para a sociedade, como pessoas íntegras e como profissionais éticos e honestos.
Hoje tudo termina, e no entanto estamos apenas começando...
Parabéns e boa sorte a todos nós. Muito obrigado!

28 abril 2008

7. O Coronel e o Picolé de Dentadura

(Esta é uma obra de pseudo-ficção. Qualquer coincidência com personagens abstratos, fatos inventados e lugares imaginados não será mera semelhança!)

O coronel Gumercindo Neto acordou tarde naquele domingo de inverno. Como era o dia da folga anual do Vassourinha, não foi acordado pelo burburinho da lida que todos os dias começava cedo, com o trato dos animais e o mugir dos bezerros durante a ordenha das vacas no galpão, com o alvoroço das galinhas acordando e disputando o milho jogado no terreiro, e com os latidos do Traíra que desviava dos coices do rosilho, que bufava pedindo a ração e implorando “...alguém prenda este sarna!”— Tetê de Deus! Acorda, mulher! Estamos atrasados! Vamos, Tuinha, acorda, abra os olhos! Temos que correr, não podemos ser os últimos a chegar...
O coronel se referia à festa de posse da nova diretoria da Associação dos Criadores de Animais de Corte e Leite de Grande e Médio Porte e Produtores Agrícolas e de Derivados Animais da Macro Região do Cajuru e da Grande Bacia do Rio Guará e Seus Afluentes, ou simplesmente a ACACLGMPPADAMRCGBRGSA, que previa, após o churrasco oferecido pelo novo presidente, um inédito concurso de mentiras! Segundo o idealizador do concurso, o diretor do departamento cultural da ACACLGMPPADAMRCGBRGSA, “— Vale qualquer mentira, grande ou pequena, pode ser estória de pescador, de fazendeiro, de administrador, até de diretor teatral, não importa, o objetivo é tornar público e premiar as estórias fantasiosas que, via de regra, são contadas apenas no aconchego dos galpões!”Puis, não por acaso, o coronel era candidato ao primeiro prêmio! Não que ele fosse mentiroso, ca-paz, claro que não! Mas era um contador de causo de mão cheia... quer dizer, de boca cheia! Ele conseguia juntar a sua característica habilidade de jundiá ensaboado com a tagarelice de um papagaio hiperativo disfarçado de alto-falante! E na opinião dele, sua estória era muito boa. Era um causo antigo, que de tanto ele contar já pensava até que fosse verdade. Confiante na vitória, passou as últimas semanas retocando os detalhes e decorando, na frente do espelho, até os gestos que faria na apresentação.
Foram os últimos a chegar, e quase perderam o churrasco. Como o coronel era muito conhecido em toda a região, sua fama o precedia, e a sua estória era de longe a mais esperada. Não pode enturmar-se nem beber com os mais faladores, por isso não houve quem não notasse a cara emburrada do coronel por ter chegado atrasado. Foi o último a se apresentar, pois os organizadores queriam que sua mentira servisse como apoteose do evento, um gran finale! Pigarreou, e após um breve momento de suspense, no qual ninguém sequer respirava, começou seu relato:
— Este fato sucedeu-se há muitos anos, mas é como se tivesse acontecido ontem. Tudo está muito vivo em minha memória. Sei que não será necessário provar o que contarei a seguir, mas antes que algum dos senhores sequer pense em duvidar de minhas palavras, digo que não estava sozinho na ocasião, e para garantir a veracidade, trouxe comigo e está presente entre nós o Sr. arrumadinho de olho azul que, juntamente com seus filhos pequenos e com um sobrinho meu, foi co-protagonista do episódio. É pessoa da maior integridade, e estará à disposição dos senhores para confirmar, tintin por tintin tudo o que se sucedeu. Seu arrumadinho, por favor, levante-se para que todos o vejam!
Sim, senhor, era o arrumadinho! De novo, envolvido em outra aventura do coronel! Foi ovacionado pela multidão, e sentou-se rapidamente, constrangido. O coronel continuou:
Era uma noite quente de um sábado, no verão de 93, e estávamos cansados pelo trabalho pesado de reconstruir o galpão da minha estância durante o dia todo, sem descanso. Ali pelas nove fui deitar, meu sobrinho e os dois filhos do arrumadinho já dormiam noutro quarto, e o arrumadinho resolveu dormir numa rede, pendurada no galpão inacabado entre as pilhas de tábuas. Passava um pouco das duas quando acordei de sobressalto com o estouro de um tiro! Pulei da cama num pé, e no outro já estava no galpão, com o lampião numa mão e a minha 22 de repetição na outra, engatilhada e destravada! A rede estava vazia e balançando, e já imaginei o pior. Procurei pelo galpão e encontrei o arrumadinho agachado atrás de uma pilha de caibros de eucalipto, apontando o dedo e gaguejando:
— Veio dali o tiro, Arrudão, veio dali o tiro...
— Te acalma, homem! Dou uns tiros de espingarda, só pra assustar, e quem atirou vai-se embora.
E foi o que fiz. Saí uns dois passos do galpão, mirei pro alto, pois afinal sou homem cuidadoso e não vou querer ferir ninguém, não é mesmo? Dei três tiros, apurei o ouvido e nada.
— Viu só? Eu não disse? Nessa hora a gente tem que manter a calma, ser sensato, usar a cabeça... nada de desespero!
Dei um passo de volta em direção ao galpão, e um barulho ensurdecedor, daqueles de fazer pular as telhas das ripas, ribombou nas nossas orelhas! Pois eram armas atirando contra nós! Muitas armas, muitas armas, olha, pelas minhas contas no mínimo umas duzentas e cinqüenta! Era tiro e bala pra todo lado, passavam assobiando e explodiam nas tábuas do galpão e... as tábuas!... as tábuas do galpão!!
— Ah! não, ah! não, as tábuas, não!! Um homem pode suportar muita coisa, mas furar de bala as tábuas quase novas, recém pregadas e ainda nem pintadas, aí já é demais!
De pronto me agachei, virei pro lado que vinham as balas e esvaziei o carregador. Saíram as dez balas, pá, pá, pá, e corri pro galpão já chamando o arrumadinho:
— Pega os guris e leva pro Fusca, vou pegar a caixa de balas e te encontro lá...
— Mas Arrudão, as crianças? No Fusca? É mais seguro ficar dentro de casa, onde elas estão!
— Não discuta, preciso de vocês prá encher os carregadores enquanto encho de chumbo essa ladroagem...
— Ladroagem? E desde quando ladrões atiram deste jeito?
— Só pode ser! Vai ver eles querem me tomar a estância, faz tempo que tenho pesadelos com isso... mas eles não sabem com quem se meteram!


Nestas alturas, a platéia já estava inquieta. O dia estava muito frio, a estória estava muito comprida, o coronel dava muitos detalhes, e ainda por cima representava o que estava contando. No seu entusiasmo, não percebeu a impaciência dos ouvintes, e continuou a narrativa:
Fui voando prá dentro da casa, e num instante saí com a caixa de balas e o meu sobrinho num braço, e os dois piás do arrumadinho no outro, em direção ao Fusca. Joguei tudo no banco de trás, e quando o arrumadinho entrou, determinei:
— O piá atrás de mim pega o carregador, o do meio e o da outra ponta carregam as balas, o arrumadinho substitui o carregador na espingarda e passa ela engatilhada prá mim, enquanto eu dirijo e encho de chumbo esses bandidos...
Nem dei tempo pro arrumadinho discutir, acendi os faróis, arranquei patinando, e desembestei arrancando capim em volta da sede, e antes de terminar a primeira volta já tinha esvaziado três carregadores. Era igual linha de produção, carregador vazio prá trás, a espingarda pro arrumadinho municiar, logo recebia ela de volta e com o braço esquerdo prá fora do carro metralhava acompanhando a luz dos faróis em direção aos matos e morros em volta da sede. Ali pela décima sétima volta comecei a ficar preocupado, porque só tinha mais umas três mil balas na caixa, mas não me abati. Manobrei e comecei a dar as voltas em sentido contrário. Isto deve ter confundido os bandidos, porque na quadragésima volta eles pararam de atirar!
Parei o Fusca, mas deixei o motor ligado e os faróis acesos, afinal, sou um homem prevenido e cuidadoso. O cano da espingarda estava em brasa, e demorou um tempo prá gente conseguir enxergar a casa e o galpão por causa da fumaceira do tiroteio. Nenhum pio, nem fora, nem dentro do Fusca. No banco de trás, os piás estavam com os olhos arregalados, e continuaram assim por mais de uma semana. Quando amanheceu, desliguei o motor, apaguei os faróis, e saímos para ver o estrago. O galpão virou uma peneira, dava prá ver do outro lado pelos furos de bala nas tábuas. Os matos em volta da sede estavam desgalhados, e onde tinha galho, não tinha folha. Por quinze dias, nem passarinho apareceu nas redondezas. Os bandidos? Nunca mais vi, nem ouvi. E foi tanto tiro que até hoje, em cada galinha que preparamos pro almoço, ainda encontramos cartuchos de 22 na moela!

Disse a frase final com o braço levantado, dedo em riste, com a voz firme para dar efeito, e esperando a reação do público, que não aconteceu. Só depois que o diretor do departamento cultural da ACACLGMPPADAMRCGBRGSA pegou o microfone e pediu “...uma salva de palmas para o coronel, gente!” é que o público percebeu que a estória tinha acabado, alguns até esboçaram um arremedo de risada, e pipocou uma e outra palma. Constrangido, o coronel tentou sair de mansinho, mas solicitaram a presença de todos os “mentirosos” no palco para a escolha da mentira vencedora. O público decidiu na base das palmas e ovação, e a mentira do coronel não deu nem pro cheiro. Foi uma situação constrangedora, pois o coronel tinha chegado como favorito, e estava saindo acabrunhado pelo vexame de não merecer nem as palmas do público.
Depois da entrega do prêmio ao vencedor, uma terneira de ano, o diretor do departamento cultural da ACACLGMPPADAMRCGBRGSA deixou o microfone à disposição dos mentirosos que quisessem dirigir algumas palavras de agradecimento ao público e à nova diretoria. O coronel se sentiu na obrigação de se justificar, pois afinal de contas ele tinha um nome a zelar, e para ele, nome e prestígio não se deve descuidar!
— Quero agradecer a oportunidade, e dizer que, infelizmente, não estava no meu melhor dia. Acordamos muito tarde, e tivemos que sair apressados. O pior é que quando fui pegar minha dentadura, que eu deixo de noite ao lado da cama num copo com água e uma colher, a água estava congelada! Como estávamos atrasados não deu tempo de acender o fogão prá esquentar a água pro café, então tive que descongelar a dentadura chupando o gelo, feito um picolé, da estância até aqui!
Fez-se um silêncio gelado depois destas palavras do coronel, que devolveu o microfone e foi indo devagar, meio de lado, para fora do palco. De repente, o público explodiu em gargalhadas, ovacionou e bateu palmas por cinco minutos sem parar, gritando em uníssono “—Já ganhou! Já ganhou!”. O coronel foi carregado pela multidão, que exigia o primeiro prêmio para ele. Para não causar problemas com o vencedor já eleito, a diretoria resolveu instituir ali, na hora, um prêmio hors-concours, e deu ao coronel, ao som da multidão em delírio, duas terneiras de ano – nas palavras do novo presidente – “... pela maior mentira jamais ouvida na região do Cajurú”.

Pois é. E o coronel então voltou para casa com duas terneiras de ano, o nome e o prestígio intactos, e a fama de ser um contador de estórias como nenhum outro apareceu por aquelas redondezas! Competência é competência, e não se discute!

21 fevereiro 2008

Insônia dá nisso...

Sonho que se sonha só
É só um sonho que se sonha só,
Mas sonho que se sonha junto
É realidade!

Raul Seixas  in "Prelúdio"